Há inúmeras publicações que tratam das diferenças entre ser gestor e ser líder. Geralmente, estas dão a entender que o gestor tem um valor menor e falam, às vezes de forma reducionista, o que um verdadeiro líder deveria fazer.
O mundo vem passando por mudanças que pedem uma atitude mais protagonista dos colaboradores. Isto significa que todos precisam desenvolver mais a autogestão, ou seja, as pessoas precisam depender menos da gestão “externa”. Ora, dentro deste contexto de horizontalização do poder, conclui-se que gestores devem sim aumentar suas habilidades de liderança, o que não significa que o gerenciamento não é mais necessário.
Tenho uma boa e uma má notícia sobre isso: a má é que desenvolver a liderança não é algo tão simples. A boa é que todos têm, em níveis diferentes, o potencial de liderar. Sabe por quê? Porque, independente da história, da formação e dos talentos naturais de cada um, somos e lidamos com seres humanos desde que nascemos. Para vivermos em sociedade são exigidas habilidades de liderança. Então, desenvolver a liderança é uma excelente oportunidade não apenas para exercer bem uma função de gestão, mas para sermos melhores filhos, irmãos, pais, amigos e cidadãos.
Para entender o quanto essa capacidade é fundamental, sugiro uma análise sobre o papel da gestão nas empresas e o quanto as transformações vividas na sociedade impactam diretamente nesta função, pois se trata de novos comportamentos desenhados a partir de situações que enfrentamos no dia a dia, como a pandemia do Covid-19 e as mudanças na forma de trabalho que esse cenário trouxe para o universo corporativo.
Além das capacidades processuais da função, se faz primordial compreender que o gestor precisa desenvolver a sua aptidão em influenciar positivamente as pessoas. Essa é uma questão chave, pois normalmente quem recebe uma promoção possui competências técnicas de gestão, mas não necessariamente de liderança.
É importante lembrar que somos parte de um sistema formado por pessoas diferentes. E, recorrentemente, agimos como se todos funcionassem como nós. Cada um carrega uma genética e história única, o que significa habilidades, valores, hábitos, limitações, motivações, medos e expectativas diferentes. Ser líder é, o tempo todo, orquestrar tudo isso. Mas não é com isso que temos que lidar para viver em sociedade? Porém, o gestor carrega, na constituição do seu papel social, um peso maior de criar um ambiente mais propício para que as coisas ocorram de forma mais saudável, harmônica, e que os colaboradores possam ser o melhor de suas versões, se sintam importantes e realizados.
Mas calma! Ninguém precisa ser um super-homem ou uma supermulher! É possível influenciar o ambiente, não o controlar. Nada do que façamos garantirá que tudo sairá bem e entender isso é libertador. Ao cobrarmos a perfeição, colocamos metas que não são realistas. Compreender isso nos faz entender que as pessoas podem dar o melhor de si, mas não serão perfeitas. É do humano ser potente, não onipotente.
E como desenvolver essa habilidade sendo cada vez mais potente na capacidade de influenciar? Trago uma citação de Robin Sharma, autor de “O Líder sem Status”, reconhecido internacionalmente por ser um dos principais especialistas em liderança: “investir em si mesmo é o seu melhor investimento. Não irá melhorar somente a sua vida, irá melhorar a vida de todas as pessoas à sua volta.”
Entre as características importantes para um gestor que deseja também ser um líder, e pontuo esta como a principal, é a disposição para olhar para si mesmo e compreender que estar na gestão trata-se de um processo transformador em diversos âmbitos. Muito mais do que apenas uma necessidade de autoconhecimento, um gestor que se torna líder certamente conquistou a habilidade de se tornar uma pessoa melhor.
Aqui se aplica o conceito de autoliderança. Uma das coisas que mais dá legitimidade para liderar um grupo é a capacidade de liderar cada vez melhor a si mesmo. Sem se esquecer da ideia de que isso não significa ser perfeito.
E por onde podemos começar a investir nesta jornada de evolução pessoal? Sugiro iniciar compreendendo melhor como você vê o mundo. Admitir que as escolhas, a leitura sobre as pessoas e os acontecimentos raramente são objetivos e totalmente racionais. Nossas vivências criam “filtros” que moldam nosso olhar. De todos os dados da realidade, acabamos nos fixando em alguns e os interpretamos subjetivamente. Nosso cérebro funciona assim. É por isso que reagimos de forma diferente diante dos mesmos fatos. Geralmente, esses filtros são inconscientes. Quanto mais trazemos à consciência nossos vieses, as motivações intrínsecas, mais teremos autogestão.
Infelizmente, a sociedade nos estimulou a olhar para fora, não para dentro. Para muitos, “dar-se conta” pode parecer assustador. Mas é uma forma de sermos mais livres e menos automáticos e manipuláveis. Como disse o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung: “quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, acorda”.
O mesmo princípio se aplica à gestão das emoções. Por que cada um tem emoções diferentes, em intensidade e duração próprias, diante do mesmo fato? Nosso pensamento inconsciente acaba alimentando as diferenças. Dar-se conta disso é algo treinável e possibilita a ampliação da inteligência emocional, tão necessária especialmente a quem se propõe liderar. Sem essa capacidade dificilmente conseguiremos manter a saúde mental e nos relacionar de forma mais produtiva e realizadora.
É claro que existem habilidades e técnicas que ajudam muito no exercício da liderança. Mas você não saberá colocá-las em prática de forma legítima e autêntica se estiver agindo baseado em um “software mental” disfuncional. Por exemplo, se um gestor aprende uma técnica para dar feedback, mas “no fundo” ele ainda não compreendeu bem o seu papel ou sempre acha que os colaboradores erram porque não são confiáveis, garanto que a técnica aprendida não funcionará, pois ela não será autêntica. Portanto, não pule etapas. O autoconhecimento/autoliderança é o substrato da boa liderança.
Embora o caminho do autoconhecimento já tenha sido mapeado por diferentes linhas de pensamento, o saber ainda é pouco conhecido. Pretendo mostrar mais o “como” trilhar essa jornada em breve. Por enquanto, fica aqui o convite para este lindo e necessário propósito da autoliderança. Ele beneficiará a todos, mas é você quem mais ganhará tornando-se uma pessoa melhor!
Por Martinelli – consultor com mais de 30 anos de experiência no desenvolvimento de líderes em renomadas empresas. Gestor de pessoas desde os 23 anos, é reconhecido por ser “cirúrgico” em seus diagnósticos e pela sua fala assertiva e estratégica. Com diversas especializações na área da Psicologia Social, é coautor do livro Team & Leader Coaching, possui Certificado no Global Leadership for the 21st Century Program, pela Universidade de Saybrook (Seattle).