Por Dra. Ana Carolina Peuker, psicóloga e CEO da Bee Touch
Se houvesse um dicionário ilustrado, muito provavelmente encontraríamos uma “bomba relógio” desenhada ao lado do setor financeiro. Se as questões sanitárias e econômicas do contexto nacional – e mundial – já afetam a todos, a todo momento, imaginem só para aqueles que estão diretamente envolvidos com as repercussões dessas questões diariamente.
Por vezes, a simples administração das finanças do dia a dia já causam um enorme estresse e desgaste emocional: mas isso é apenas uma “amostra grátis” do que as pessoas que trabalham no setor financeiro precisam fazer em suas funções laborais (e com um dinheiro que não pertence a elas).
Não faltam dados sobre o ônus acarretado pelo adoecimento mental no trabalho, mas os impactos adversos no setor financeiro vem ganhando maior atenção. Trata-se de uma população com alta vulnerabilidade ao estresse. O documento “Strengthening mental health responses to COVID-19 in the Americas: A health policy analysis and recommendations”, publicado recentemente na revista The Lancet Regional Health mostra que mais de quatro em cada 10 brasileiros tiveram problemas de ansiedade; os sintomas de depressão aumentaram cinco vezes no Peru; e a proporção de canadenses que relataram altos níveis de ansiedade quadruplicou como resultado da pandemia.
O cenário do trabalho em instituições financeiras, por exemplo, bancos, fintechs, insure techs, cooperativas de crédito, empresas de factoring, corretoras e distribuidoras de títulos, envolve pressão por resultados, lucros, responsabilidade, produtividade e tempo. Em geral, pessoas que atuam nessa área correm “contra o relógio” – e, inclusive, desafiam os padrões sono-vigília (e humanos!) ao trabalhar em torno de 20h por dia.
Diversos fatores psicossociais podem agravar o impacto que o trabalho nesse setor exerce sobre a saúde emocional das pessoas. Normalmente, o financeiro já atrai pessoas mais rígidas, exigentes, autocríticas, metódicas e proativas. Some a essas características pessoais um contexto econômico social defasado, pressão, privação de sono e sobrecarga de trabalho: temos aí uma receita infalível para problemas de ansiedade, depressão e outros transtornos psicológicos, como o uso de álcool e outras drogas e medicamentos. Quando os riscos psicossociais não são adequadamente geridos, inevitavelmente, há prejuízos aos ativos mais valiosos (as pessoas!) – e essa é a grande ironia, no caso deste segmento, que tem como meta evitar perdas e obter lucro.
Em uma época em que as diretrizes de ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) foram incorporadas às agendas dos investidores, deve-se também pensar em “sustentabilidade emocional”. O cuidado com a saúde mental no trabalho deve englobar uma perspectiva mais ampla e sistêmica, transcendendo a oferta de terapia e exercícios laborais como benefícios. Ações sistemáticas, com base em evidência, devem ser implementadas para que o trabalho não constitua um fator de adoecimento e seja fonte de prejuízos irreparáveis.