Uma visão panorâmica do mercado de trabalho médico
Colunista Mundo RH – Fabrício Garcia, CEO da Qstione
Testemunhamos um crescimento vigoroso no número de escolas médicas no Brasil até 2017, quando foi proibida a abertura de novas vagas. A justificativa mais comum para a abertura de mais cursos de medicina é o aumento da disponibilidade de médicos nas regiões remotas do país, onde a escassez de profissionais tem um impacto negativo na saúde da população.
Em uma decisão recente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a criação de cursos de medicina deve ser regida pela Lei do Programa Mais Médicos, de 2013. A Lei define que a abertura deve ocorrer por meio de chamamentos públicos regulados pelo governo, considerando a demanda por profissionais para definição da oferta de vagas no ensino médico. Dessa forma, caberá ao Ministério da Educação definir quais cidades serão contempladas com a oferta de novos cursos de medicina, bem como estabelecer os critérios para concessão da licença.
A decisão de Gilmar Mendes ainda não é definitiva e precisará ser aprovada pelo plenário do STF. Entretanto, é fato que a Lei do Programa Mais Médicos prevê tal regulamentação. Mas seria esse o melhor caminho para resolver o problema da escassa oferta de profissionais médicos nas cidades mais distantes dos grandes centros?
Para responder essa pergunta precisamos compreender a realidade do mercado de trabalho da saúde no Brasil, que é preocupante. Atualmente, no país, não existe uma carreira de Estado para profissionais da saúde, o que contribui para uma situação alarmante. A falta de segurança jurídica é o maior empecilho para que os médicos comecem a se interiorizar.
Além disso, os médicos que atuam em cidades pequenas do interior do Brasil muitas vezes obtêm seus cargos por meio de indicações políticas, estabelecendo uma relação cheia de de conflitos de interesse. Para piorar a situação, a remuneração geralmente é muito baixa, levando os médicos a terem múltiplos empregos em condições insalubres. Toda essa insegurança em relação à estabilidade no emprego, a ausência de oportunidades de progresso na carreira, a falta de infraestrutura nos serviços de saúde e a sobrecarga de trabalho constituem uma combinação explosiva que resulta na prestação de serviços de saúde de qualidade insatisfatória.
Diante desse desafiador contexto mercadológico, a maioria dos profissionais médicos busca a relativa estabilidade oferecida pelos postos de trabalho nas grandes cidades.
De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina, o Brasil atualmente conta com aproximadamente 546 mil médicos ativos (dados de dezembro de 2022). Esse número é mais do que suficiente para atender às necessidades da população brasileira.
No entanto, o problema reside na distribuição geográfica desses profissionais.
Aproximadamente 62% dos médicos que exercem a profissão no Brasil estão concentrados nas 49 cidades com mais de 500 mil habitantes, que representam apenas 32% da população total do país. Essa concentração de médicos nas grandes cidades reflete a insegurança profissional e jurídica que caracteriza o atual mercado de trabalho médico.
Mas como melhorar esse estado de coisas? Criar escolas médicas em regiões mais carentes de profissionais pode ser a solução?
A abertura de faculdades médicas em cidades menores ou mais distantes dos grandes centros pode acarretar desafios educacionais substanciais. A falta de infraestrutura, incluindo hospitais e clínicas-escola, assim como a dificuldade na contratação de professores qualificados, são apenas alguns exemplos dos desafios que precisam ser enfrentados nesse contexto.
Além disso, é importante considerar que a simples formação de médicos em regiões com maior carência de profissionais não garante a permanência deles nessas áreas após a conclusão dos estudos. A falta de incentivos para que os médicos permaneçam nas regiões mais necessitadas pode comprometer a eficácia dessa abordagem. Nesse sentido, os pressupostos da Lei do Programa Mais Médicos podem não se mostrar adequados nesse cenário.
Portanto, qualquer solução para melhorar a distribuição geográfica de médicos no Brasil deve ser abordada de maneira holística, levando em consideração não apenas a formação médica, mas também questões como a infraestrutura de saúde, incentivos profissionais, políticas de fixação de profissionais em áreas remotas e acesso a recursos médicos de qualidade.
Em resumo, a abordagem de formar médicos nas regiões que mais necessitam de profissionais não parece ser a solução ideal para enfrentar a escassez de médicos em áreas específicas. Isso ocorre porque o cerne do problema está enraizado nas bases da carreira médica no Brasil, na falta de segurança jurídica e nas condições insatisfatórias de trabalho, especialmente presentes em cidades menores e mais distantes dos centros urbanos.
É importante destacar que essa situação de precariedade na carreira médica é também repetida em outras áreas da saúde. Portanto, é urgente repensar as políticas públicas de saúde no Brasil. Se o objetivo é alcançar uma distribuição mais equilibrada de profissionais médicos, é essencial reestruturar a carreira de forma a reduzir as preocupações com a insegurança no trabalho e permitir que os profissionais se concentrem no que é mais valioso na medicina: a preservação da vida.