O plano de saúde, o desconto na academia ou aquela proposta de trabalho flexível continuam fazendo a diferença, mas resumir o bem-estar dos funcionários a esses serviços talvez seja um dos maiores erros das organizações
Por Tiago Hayashida – Gerente Executivo de Gestão de Pessoas e Danilo Pastro – Gerente de Ambiente Corporativo e Bem-Estar, ambos com atuação na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE
Em 1999, ano em que iniciamos a nossa operação na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, Amy Edmondson, pesquisadora americana da Harvard Business School, definia o conceito de Segurança Psicológica como “a crença de que não seremos punidos ou humilhados por expor ideias, dúvidas, preocupações ou erros, e que a equipe estará segura para assumir riscos interpessoais”. Mais de 20 anos depois, o termo nunca fez tanto sentido para nós e muitas outras empresas que estão mais atentas à urgência para a valorização da saúde mental no ambiente corporativo. A pandemia escancarou as nossas fragilidades e agora precisamos lidar melhor com o impacto dos transtornos psíquicos, já considerados a terceira principal causa de afastamentos do trabalho no Brasil.
O plano de saúde, o desconto na academia ou aquela proposta de trabalho flexível continuam fazendo a diferença, mas resumir o bem-estar dos funcionários a esses serviços talvez seja um dos maiores erros das organizações, principalmente se levarmos em conta que a geração de profissionais da atualidade é muito mais exigente e tem buscado uma relação de mais confiança e transparência. Se as empresas não repensarem o seu papel na sociedade e se não olharem para o problema de uma forma abrangente, vamos desperdiçar tempo, dinheiro e paciência dos colaboradores. Vamos corroborar com o que a pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou.
Ao ouvir 572 profissionais sobre como as corporações cuidam da saúde de seus colaboradores, a FGV constatou que a maioria disse que não há comunicação sobre boa parte das vantagens oferecidas e nem iniciativas envolvendo as lideranças. O resultado mais alarmante desse estudo para nós, da área de Gestão de Pessoas, é saber que a maioria dos respondentes também disse que as instituições têm uma visão míope de que cuidar da saúde mental é apenas uma forma de reduzir custos.
Já a pesquisa Carreira dos Sonhos 2023, realizada pela Cia de Talentos, ouviu 71 mil jovens, 14 mil ocupantes de cargos média gerência e quase 6 mil ocupantes de cargos de alta gerência. O resultado mostra que 56% dos entrevistados responderam que qualidade vida (saúde física, mental e emocional) é o que mais importa em suas vidas. Outro dado que chama a atenção, 53% dizem que a liderança não inspira a ser líder no futuro. Ao que tudo indica, as novas gerações consideram o preço de assumir mais responsabilidades alto demais e pesam muito na balança o impacto dessa decisão na vida pessoal.
O que fazer, então? Não existe uma receita (e não depende somente do RH), mas o fato é que estamos sendo provocados a nos dedicar mais à cultura do cuidado, em que todos os envolvidos, empregados e empregadores, podem tratar as suas fraquezas com mais normalidade, promovendo um ecossistema de bem-estar que possa ir além do pacote de benefícios. As pessoas perderam o medo de se expor e é possível aproveitar melhor a oportunidade para criar um ambiente no qual elas possam ser quem elas realmente são, estabelecer uma rede de amparo para tratar os casos de uma forma construtiva e com a preservação da confidencialidade e, não menos importante, combater os estigmas.
Na CCEE, infelizmente, não estamos imunes ao adoecimento mental. Esse é o mal do século. Porém, temos apostado na democratização do cuidado para levar ajuda a quem precisar. Tem sido um aprendizado diário, com resultados animadores. Sempre estivemos atentos às tendências, exemplo disso foi a criação de um departamento dedicado exclusivamente ao bem-estar dos funcionários antes mesmo da pandemia. Foi graças a essa área que, durante o isolamento social, percebemos que precisávamos nos aprofundar mais nas ações focadas em saúde mental. Os relatos de ansiedade, depressão ou desinteresse por atividades físicas observados em uma pesquisa que fazemos com frequência soaram como um alerta para a necessidade de uma intervenção ainda mais humanizada. E agimos rapidamente.
Criamos projetos como o AcolheCCEE, que implementou práticas de recepção e acompanhamento para quem volta de licenças médicas ou maternidade. Ampliamos os benefícios do nosso Espaço Saúde, com um profissional de psicologia à disposição dos colaboradores. Como o tema custo era um impeditivo para o aprimoramento de alguns serviços, usamos nossa criatividade e buscamos cobrir parte dessas iniciativas com subsídios negociados com nossos parceiros.
Também decidimos investir em iniciativas que estimulam o trabalho em equipe, como o programa Vida Ativa, que promove a adoção de hábitos de vida saudáveis. Foi uma saída para incentivar a parceria e gerar um entrosamento maior entre as pessoas, um sentimento de empatia que tem facilitado resolver os problemas com muito mais facilidade.
As lideranças também passaram por treinamentos, com palestras e rodas de conversa para terem inteligência emocional para lidarem com as adversidades do dia a dia e, consequentemente, os liderados se sentirem mais seguros e confortáveis para se abrirem quando sentirem necessidade. O caminho é longo, de erros e acertos. É por isso que é fundamental olhar de uma forma mais ampla para o tema, lembrando, inclusive, que a saúde, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.
Assim como preconiza quase toda a literatura contemporânea sobre gestão de pessoas, é a intervenção cultural que servirá para contribuirmos com a melhora na saúde dos funcionários. Nosso empenho em garantir ainda mais inclusão, diversidade, respeito pelas diferenças e a valorização do bem-estar e qualidade de vida está nos proporcionando um ambiente muito mais humanizado, de parceria, em que todos cuidam de todos, e com profissionais empenhados em garantir essa harmonia.
A grande lição é entender que, se as empresas são feitas por pessoas e as pessoas podem adoecer, nós devemos estar prontos para cuidar delas. Ou, melhor, cuidar antes de que haja esse adoecimento. Só assim veremos na prática que Amy Edmondson estava correta ao definir Segurança Psicológica e que o termo está diretamente atrelado à produtividade. Na corrida por resultados, diante dos desafios de um mercado tão dinâmico como o nosso, sai na frente quem exercita a empatia e olha mais para o lado para perceber os sinais de que algo ou alguém pode não estar bem.