Por Ricardo Pereira de Freitas Guimarães – advogado, especialista, mestre e doutor pela PUC-SP, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da especialização da PUC-SP (COGEAE) e dos programas de mestrado e doutorado da FADISD-SP
O mundo, principalmente desde o século XVI, demonstra através de pensadores e intelectuais que possuem como norte a ciência, importantes alterações oriundas do convívio do homem com a sociedade em vários aspectos. Referidos pensadores, cada um a seu modo e em seu tempo, acabaram por nos revelar um cenário encaminhado no tecido social dos direitos e percepções humanas que objetivam a cada dia resguardar e implementar as garantias individuais, que se distancia muito da ideia do que era até então a visão dos direitos assegurados para sociedades ditas comunitárias.
René Descartes foi um dos primeiros a anotar – ainda no século XVI – o início dessa necessidade humana de deslocamento do que poderíamos chamar de eixo central social anterior. Noutras palavras, em tempos passados a vida de cada um tinha uma espécie de destino em todos os ângulos já pré-moldado por aquilo que a sociedade prescrevia como possível e correto.
Ao longo do tempo, houve significativa alteração do pensamento e da percepção das coisas, inclusive pelas próprias alterações interrelacionais, pois o humano começa então a visualizar que alguns de seus anseios, angústias e desejos acabavam sendo limitados pelas barreiras sociais e até mesmo religiosas impostas. Ou seja, a fôrma não era capaz de suportar o tamanho do bolo. De lá para os dias atuais, através de duras lutas carregadas de sofrimentos solitários, inclusive pela discriminação de seus próprios familiares, finalmente chegamos num momento em que a ponta do iceberg do respeito começa a aparecer para esses humanos descartados, ficando numa guerra interna entre ser o que se é ou ser apenas a representação de um desenho feito pela sociedade.
No ambiente do trabalho nunca foi diferente. Piadas, comentários desprovidos do menor respeito ao próximo, afastamento dos grupos de trabalho, velados constrangimentos no ato da contratação, dispensas de empregados com desculpas esfarrapadas, entre tantos outros acontecimentos antes, durante ou depois da contratação de emprego ,com origem na descoberta do direcionamento individual sexual dado à vida por aquele empregado fosse ele LGB ou T. Quatro consoantes capazes de separar o homem ou a mulher do sentimento de simplesmente “ser humano”. Contudo, como advertiu Jean Paul Sartre numa de suas máximas do pensamento contemporâneo “O importante não é o que fazemos de nós, mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós”.
Em simples palavras, o mundo já não se sustenta no olhar do outro que teima em determinar que sua origem humilde não poderá ser alterada, sua religião será sempre a mesma, sua educação está vinculada ao limite da dita casta de onde se originou, e sua vontade sexual ou sua expressão como identidade pessoal permanecerá inalterada ao sabor da vontade social.
Esse comando não existe e não pode existir mais
Há, hoje, a exigência do respeito que se dá pela resistência contra o olhar preconceituoso e não afetivo, exigindo um “não olhar desprezível”. O humano deve ser o que ele quiser ser. A felicidade, enquanto instante de vida, é do seu pertencimento e não de terceiros ou de qualquer comunidade que pretenda lhe exigir posturas.
O direito evolui a cada dia nesse sentido, com fundamento na isonomia de tratamento e na não discriminação do humano. Em qualquer das consoantes já citadas (LGBT) ou ainda outras que porventura tendam a se aproximar da felicidade do humano precisam do respeito da sociedade. Tanto o texto constitucional, quando trata das garantias e direitos fundamentais, quanto a Lei 9.029/95 já proíbem com clareza solar discriminações de qualquer espécie.
Eventual ato desde o balançar de uma cabeça em sentido negativo, seja de um superior hierárquico ou de qualquer colega de trabalho deve ser prontamente rechaçado pelo empresariado. De outro lado, levada ao Judiciário tal questão, deve de plano, como aos poucos têm ocorrido, rechaçado o procedimento com indenizações capazes de exigir uma postura educacional da empresa no sentido de coibir o posicionamento.
Não obstante comprovar tais posturas não seja um ato fácil para o discriminado, se torna necessário que o fato seja levado ao setor de compliance da empresa, e na inércia, há opções como sindicatos, Ministério Público do Trabalho e o próprio Poder Judiciário, através de um processo em face da empresa numa última hipótese.
O importante é registar que não há categoria de humano, todos, independentemente de suas escolhas de felicidade, que só a eles devem importar, merecem o nosso pleno e profundo respeito.