A longa jornada de seis dias por semana cobra um alto preço do bem-estar dos profissionais e levanta questionamentos sobre a necessidade de revisão das condições de trabalho no Brasil.
A escala de trabalho 6×1, amplamente adotada em diversos setores, tem sido alvo de intensos debates sobre seu impacto na saúde mental dos trabalhadores. Muito além do desgaste físico, a rotina de longas jornadas e curtos intervalos de descanso pode resultar em conseqüências psicológicas severas, comprometendo a qualidade de vida e a produtividade.
De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2022, 65,8% dos trabalhadores formais no Brasil atuam seis dias por semana, sendo que 82% desse grupo recebe menos de dois salários mínimos. O modelo de trabalho exaustivo tem levado especialistas a refletirem sobre seus impactos e se a simples extinção da escala 6×1 seria suficiente para melhorar a saúde mental dos trabalhadores.
Para o psicólogo e professor Marcos Torati, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, o trabalho deveria ser fonte de satisfação, mas muitas vezes se torna um fardo. “A sociedade se divide entre aqueles que pensam, concebem e inventam, e aqueles que obedecem e executam ordens. Se certas atividades laborais fossem realmente tão toleráveis e desejáveis, não teríamos criado estruturas como a exploração da mão de obra e a robotização”, avalia.
A distinção entre o trabalho motivado pelo desejo e aquele imposto pela necessidade também é relevante. Grandes nomes da história, como Freud, Marie Curie e Leonardo Da Vinci, dedicaram-se intensamente às suas atividades porque encontravam nelas um sentido profundo. No entanto, para a maioria dos trabalhadores, a escala 6×1 representa uma obrigação para garantir a sobrevivência, sem significado pessoal ou autonomia. “Trabalhar seis dias por escolha é algo completamente diferente de se sujeitar a esse ritmo por medo do desemprego”, explica Torati.
A busca por um modelo ideal de jornada de trabalho
A origem da palavra “trabalho” remete ao latim tripalium, um instrumento romano de tortura, um reflexo simbólico da experiência de muitos profissionais na atualidade. O debate sobre a escala 6×1 levanta questionamentos sobre a cultura da produtividade a qualquer custo e a valorização do tempo livre.
“Em um cenário ideal, a sugestão do filósofo Robert Owen — oito horas para o trabalho, oito para o sono e oito para o lazer — seria um modelo equilibrado”, defende Torati. No entanto, fatores como o tempo de deslocamento e atividades laborais realizadas em casa acabam reduzindo as horas de descanso e lazer, comprometendo o equilíbrio da rotina.
Uma pesquisa do Serasa Experian de 2024 revelou que oito em cada dez trabalhadores brasileiros consideram ou já tomaram medidas para reduzir o tempo de deslocamento ao trabalho. Esse dado reforça a necessidade de repensar a estrutura da jornada, especialmente em grandes cidades, onde o trajeto casa-trabalho compromete grande parte do dia.
Para Torati, a simples redução da jornada de seis para cinco dias pode não ser suficiente para garantir mais qualidade de vida aos trabalhadores. “As leis podem minimizar a exploração das empresas, mas muitos trabalhadores continuarão buscando formas de complementar sua renda nas horas recém-adquiridas, ampliando o fenômeno da uberização”, pontua.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2022, 1,5 milhão de brasileiros trabalham por meio de plataformas digitais e aplicativos, revelando que a busca por uma remuneração digna continua a impulsionar jornadas excessivas, mesmo fora do regime tradicional de emprego.
O impacto do trabalho na saúde mental
A relação entre trabalho e saúde mental é um dos aspectos centrais da discussão. Torati alerta que muitos trabalhadores associam o sofrimento à necessidade de merecimento do descanso. “É comum que pessoas com burnout vejam o adoecimento como a única forma de se autorizarem a parar sem culpa”, observa.
O psicólogo também destaca que o excesso de trabalho pode estar ligado a questões psicológicas profundas, como o medo da irrelevância ou da exclusão social. “A avaliação do esgotamento profissional deve considerar tanto as condições objetivas do trabalho quanto as tendências psíquicas individuais”, enfatiza.
Para criar uma relação mais saudável com o trabalho, é essencial que os profissionais desenvolvam espaços de lazer, interesses pessoais e uma rotina que não seja centrada exclusivamente na produção. “Quando uma pessoa abre mão de hobbies, amizades e vida pessoal em nome do trabalho, ela compromete sua saúde emocional e passa a viver em um ciclo de exaustão e insatisfação crônica”, conclui.
Diante desse cenário, a reflexão que se impõe é: estamos caminhando para um modelo de trabalho mais humano e equilibrado ou apenas mudando os formatos da mesma exaustão? A resposta pode estar no repensar coletivo das relações laborais e na busca por um futuro em que trabalhar não signifique abrir mão da vida.