A delicadeza como ferramenta de liderança e transformação social.
Sandra Lopomo – Diretora de Gestão de Pessoas da YUNA, instituição especializada em reabilitação e cuidados paliativos.
Dados do último Censo do IBGE apontam que as mulheres representam quase 70% dos profissionais que atuam na área da saúde. Esse é um dado relevante que nos remete a muitas reflexões, embora seja resultado de uma combinação de fatores históricos, sociais e culturais.
Apesar dessa predominância, sabemos que ainda existem desafios, especialmente quando consideramos cargos de liderança. Não obstante a necessidade de garantir que a presença feminina no mercado de trabalho seja acompanhada por equidade, desejamos, neste momento, pensar no importante papel que cada uma de nós desempenha na promoção da saúde.
Entre tantas qualidades que marcam a presença das mulheres no mundo, uma delas se destaca pela sua sutileza e, ao mesmo tempo, pelo impacto transformador: a delicadeza.
Essa palavra veio com força em meio às reflexões sobre o tema, inspiradas por vozes que desejam e acreditam no poder de transformação que as mulheres possuem.
Ser delicado não significa ser frágil. Pelo contrário, a delicadeza é uma força que se manifesta na empatia, na resiliência, na capacidade de ouvir e acolher, na determinação silenciosa de seguir em frente mesmo diante das adversidades. Quando andamos pelos corredores de um hospital, por exemplo, temos a oportunidade de conhecer histórias incríveis de mulheres que exemplificam isso na prática, com muita disposição e maestria.
Sinto-me profundamente sensibilizada ao conhecer os bastidores e o dia a dia dessas colaboradoras. Mulheres que deixam seus lares antes mesmo do amanhecer e passam o dia à frente do cuidado de pacientes e suas famílias, entregando a melhor versão de si mesmas, independentemente das questões familiares ou pessoais que todos temos para resolver. Um filho doente, um pai, uma mãe ou uma avó que também exigem cuidados, seus próprios quadros de saúde, muitas vezes negligenciados em função de uma entrega incondicional. Sem contar que, no pouco tempo livre que possuem, após longos plantões, ainda precisam conciliar suas tarefas domésticas e cotidianas, inadiáveis por serem também as cuidadoras de seus próprios lares.
Há muita coragem, resiliência e determinação na execução diária dessas mulheres que estão à frente da assistência ou nos bastidores de um hospital. E, apesar das dificuldades, elas ainda são exemplos de ternura e gentileza na forma como atendem e conduzem suas batalhas. Em um mundo que, muitas vezes, se apresenta de forma hostil, nossas mulheres mostram que a força feminina não precisa ser estridente para ser poderosa. Podemos ser firmes em nossa postura e elegantes na nossa comunicação, sem que isso implique em fragilidade.
A força da presença feminina: casos emblemáticos
Mulheres, ao longo da história, demonstraram que a delicadeza pode ser um ato revolucionário. Em 1º de dezembro de 1955, Rosa Parks recusou-se a ceder seu lugar no ônibus a um branco, com firmeza, mas de forma tranquila. Essa ação tornou-se um marco no movimento antirracista nos Estados Unidos. O motorista exigiu que ela e outros três negros se levantassem para dar lugar a brancos que haviam entrado no ônibus, mas Parks se negou a cumprir a ordem. Ela continuou sentada e, por isso, foi detida e levada para a prisão.
O protesto silencioso de Rosa Parks propagou-se rapidamente. O Conselho Político Feminino organizou, a partir daí, um boicote aos ônibus urbanos como medida de protesto contra a discriminação racial no país. Martin Luther King Jr. foi um dos que apoiaram a ação.
O ativista e músico Harry Belafonte relatou o quanto essa história mudou sua vida, após o dia em que King telefonou para pedir apoio à ação da mulher que ficou conhecida como a “mãe dos movimentos pelos direitos civis” nos EUA. A atitude de Rosa Parks foi o estopim para que a sociedade reagisse contra as pressões políticas e sociais que caracterizavam a época.
Nascida no Paquistão, Malala Yousafzai ficou conhecida mundialmente em 9 de outubro de 2012, dia em que foi atingida por um tiro no rosto por membros do grupo terrorista Talibã, quando voltava para casa após uma manhã de provas na escola. Em 2014, com 17 anos, a ativista tornou-se a pessoa mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz. Malala ergueu sua voz pelo direito à educação de meninas e mulheres com uma doçura que ecoa em milhões de corações.
No Brasil, Maria da Penha foi vítima de violência doméstica e tornou-se símbolo da luta contra esse tipo de agressão no país. Após sobreviver a tentativas de homicídio por parte de seu então marido, Marco Antonio Heredia Viveiros, ela deu voz à causa. Seu ativismo levou à promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que estabelece medidas de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica. Maria da Penha lutou por justiça com uma coragem serena que mudou leis e vidas.
Esses breves relatos retratam histórias reais de mulheres fortes e à frente de seu tempo. Seja no ambiente profissional ou em qualquer outra área da vida, a delicadeza continua sendo uma ferramenta poderosa de transformação. Quando combinada com determinação e sabedoria, ela se torna um diferencial que humaniza relações e promove mudanças profundas.
Apesar do desafio que ainda temos em garantir que a presença feminina seja acompanhada por igualdade de oportunidades e reconhecimento, é certo que, na nossa humanidade, ainda somos todos, mulheres e homens, agraciados por mais semelhanças do que diferenças. Muitas vezes, subestimamos o poder de um gesto cuidadoso, de uma palavra gentil e da sensibilidade na tomada de decisões. No entanto, são esses elementos que constroem pontes, curam feridas e transformam realidades, especialmente em momentos de profunda dor e fragilidade, enfrentados, por exemplo, em processos de reabilitação, cuidados paliativos ou de condições crônicas, como vemos todos os dias em nossa atual experiência.
Que possamos valorizar e incentivar essa qualidade, não como sinônimo de fraqueza, mas como uma expressão genuína de poder, de quem caminha enxergando a partir do coração, observando os detalhes das coisas e, de alma entregue, percebe a maior das riquezas: a força da delicadeza.
Afinal, é através dessa força sutil que o mundo se torna mais justo, mais acolhedor e mais humano.