Transformando as Avaliações de Desempenho: Como adotar uma abordagem humanizada pode aumentar a motivação e o engajamento nas empresas.
Por Graziele Piva, Colunista Mundo RH e Fundadora da Youniq RH
Nos corredores das empresas, a “avaliação de desempenho” é uma prática quase sagrada. Comumente ouvimos que ela serve para medir o valor de cada colaborador, identificar talentos, promover e ajustar rotas. Mas será que esse método, como o conhecemos hoje, está realmente funcionando?
De acordo com o pesquisador W. Edwards Deming, um dos maiores pensadores sobre qualidade e gestão, 95% da variância de desempenho está relacionada a fatores sistêmicos, e não ao indivíduo em si. Isso nos leva a uma reflexão crítica: se o desempenho depende, em grande parte, de sistemas e processos, por que estamos constantemente focados em avaliar as pessoas de forma isolada? No livro Out of the Crisis (Deming, 1986), ele argumenta que sistemas ineficazes minam o desempenho individual e que gestores devem se concentrar em aprimorar o ambiente de trabalho.
Outro ponto crucial é a subjetividade envolvida nesse processo. Estudos mostram que 62% da avaliação de desempenho reflete mais sobre o avaliador do que sobre o avaliado. Ou seja, há um viés inevitável. Como podemos promover um senso de justiça dentro das empresas se as avaliações dependem tanto das percepções individuais de quem as aplica? Como bem argumenta Marcus Buckingham em First, Break All the Rules (Buckingham & Coffman, 1999), os gestores que se destacam são aqueles que conseguem avaliar seus colaboradores de maneira personalizada, sem cair na armadilha das avaliações rígidas e padronizadas.
Essa lógica nos leva à frequência das avaliações. Em muitas empresas, elas ocorrem uma vez ao ano ou, quando muito, a cada seis meses. Será que esse distanciamento realmente captura o desempenho de um colaborador de forma precisa? Avaliações semestrais ignoram o que acontece no meio do caminho, as dificuldades enfrentadas em projetos, as superações diárias. Uma solução seria adotar um modelo de avaliação contínua, onde os feedbacks acontecem ao término de cada projeto ou etapa significativa. Essa abordagem já foi implementada por empresas como a Microsoft, que abandonou as avaliações anuais em favor de um modelo de feedback contínuo. O resultado foi um aumento significativo na motivação e no engajamento dos colaboradores.
Contudo, além da frequência e do foco, precisamos de algo ainda mais essencial: uma avaliação que seja verdadeiramente humana. Surge, então, a necessidade de pensarmos em uma Avaliação Humanizada de Desempenho. Esse conceito propõe uma mudança profunda na forma como vemos o colaborador e o processo de avaliação.
O que é uma Avaliação Humanizada de Desempenho?
Diferente dos métodos tradicionais, a Avaliação Humanizada coloca o colaborador no centro do processo, não como um número, mas como um ser humano com necessidades, emoções e potencial de crescimento. Inspirada em princípios de autores como Frederic Laloux, que, em Reinventando as Organizações (2014), defende que o sucesso organizacional está diretamente ligado à capacidade de enxergar o colaborador de forma integral, essa abordagem propõe:
- Escuta Genuína e Empática: Um processo contínuo e não apenas um evento anual. Os gestores devem praticar a escuta ativa, preocupando-se em entender não só o desempenho técnico, mas também os desafios pessoais e emocionais do colaborador. Brené Brown, em Dare to Lead (2018), ressalta que a vulnerabilidade e a empatia são fundamentais para a construção de um ambiente de trabalho humano.
- Feedback como Ferramenta de Crescimento, Não Controle: Em vez de apenas avaliar o passado, a Avaliação Humanizada foca em criar um plano de desenvolvimento futuro para o colaborador, estabelecendo uma “declaração futura” que alinha as expectativas individuais com os objetivos da equipe e da empresa.
- Comitê de Calibragem com Propósito Real: Um comitê que não seja apenas burocrático, mas sim um grupo focado em garantir que as avaliações sejam imparciais e justas, promovendo uma visão coletiva e estratégica das promoções e recompensas. Empresas como a Netflix já implementam comitês que fazem isso de maneira eficaz.
Humanização: Uma Nova Perspectiva para o Futuro do Trabalho
Por que humanizar o processo de avaliação de desempenho? Porque as pessoas não são máquinas e seu desempenho não pode ser medido apenas por números ou metas. Humanizar é enxergar o colaborador em sua totalidade: seu contexto pessoal, seus desafios, suas emoções. Quando isso é feito, o resultado é um ambiente de confiança, engajamento e, naturalmente, de alta performance.
O conceito de Avaliação Humanizada já começa a ser visto em empresas que compreendem que o sucesso organizacional depende de um equilíbrio entre metas de negócios e o bem-estar humano. No livro Powerful (2018), Patty McCord, ex-Netflix, defende que um ambiente de trabalho baseado em liberdade e responsabilidade pode transformar o desempenho de uma equipe. E essa transformação começa com avaliações que respeitem o potencial humano.
Finalmente, imagine se, ao invés de apenas cumprir uma formalidade, gestores se perguntassem: “Eu investiria pessoalmente nesta pessoa?” Esse exercício, sugerido por McCord, nos obriga a pensar nas promoções e nas avaliações com mais responsabilidade, não como um processo mecânico, mas como uma aposta no futuro do colaborador e da organização.
Reflexão Final
Então, a pergunta que fica é: o sistema atual de avaliação de desempenho está funcionando? Se a resposta é não, talvez seja o momento de começarmos a olhar para nossas equipes de uma maneira mais humana, menos robotizada. A Avaliação Humanizada de Desempenho não só promove um ambiente mais justo, mas também um caminho para o desenvolvimento contínuo e sustentável de todos. Porque, no final, o que define o sucesso de uma empresa não são apenas os números, mas as pessoas que estão por trás deles.
Para Leitura:
- W. Edwards Deming, Out of the Crisis (1986): Um clássico sobre a importância de sistemas eficazes e a influência deles no desempenho.
- Marcus Buckingham e Curt Coffman, First, Break All the Rules (1999): Aborda como gestores excepcionais quebram paradigmas e personalizam a gestão de suas equipes.
- Frederic Laloux, Reinventando as Organizações (2014): Explora novos modelos de gestão que enxergam o colaborador de forma integral e humana.
- Brené Brown, Dare to Lead (2018): Fala sobre vulnerabilidade, liderança e como a empatia transforma as relações no trabalho.
- Patty McCord, Powerful: Building a Culture of Freedom and Responsibility (2018): Fala sobre a cultura de responsabilidade e liberdade no trabalho, baseada em sua experiência na Netflix.
Exemplos de Cases:
- Microsoft: A gigante da tecnologia abandonou avaliações anuais, optando por feedbacks contínuos, resultando em maior engajamento dos funcionários.
- Netflix: Implementou um comitê de calibragem que garante promoções e aumentos salariais de forma mais justa e transparente, com base em contribuições reais.