O processo de formar sucessores é longo e árduo. Minha passagem de bastão durou um pouco mais de três décadas e meia. Isso porque não se trata apenas de abandonar o seu posto para que outro profissional assuma. Trata-se de todos os potenciais sucessores estarem preparados para dar continuidade ao negócio e a evolução da cultura da empresa, melhorando as práticas e preservando os valores, sempre com olhos para o futuro e buscando inovar para renovar.
Uma mistura de gerações diferentes, com emoções à flor da pele, relação de trabalho e familiar, capacidade técnica e sobretudo capacidade de lidar com seus acertos e principalmente desacertos, com uma dose de feeling de líder empreendedor, é uma receita que harmoniza com uma sucessão bem-sucedida. É tão difícil de equalizar todas as variáveis, mas com fé, paciência e determinação no fundo, eu sabia que daria certo. Para a felicidade da família e dos nossos negócios, está saindo tudo como desejei, já deu certo graças a Deus.
Nesse contexto, apesar de o tema sucessão familiar ser muito amplo e profundo, gostaria de dividi-lo em dois aspectos macros para depois detalhá-los: o técnico e o emocional.
O técnico refere-se aos aspectos objetivos que devem ser realizados para o processo de sucessão: tem a ver com o fato de os sucessores estarem tecnicamente preparados ou não. Eu sempre pensei em preparar meus filhos para eventualmente me sucederem na empresa, e comecei a fazer isso desde que começaram a ter entendimento. Sem exagero, desde muito pequenos eu trazia a Erika, a Jaqueline e o Mario na empresa. Eles ficavam desenhando, rabiscando, mas sentiam o ambiente.
Ainda adolescentes, nas férias escolares, trabalhavam por meio período. Tinham funções de ajudante, as meninas em vários setores da área administrativa e o Mario especialmente nas áreas de produção da empresa, inclusive ele até usava uniforme da produção, e todos sentiam-se super à vontade entre os colaboradores. Os trabalhos eram desde organizar arquivos de documentos, almoxarifado, emitir documentos internos, realizar pequenas tarefas manuais e conversar com os colaboradores mais experientes, presenciar conflitos e receber informações sobre o funcionamento da empresa como um todo.
No geral, eu sentia que eles gostavam e cresciam, mas não era raro em alguma manhã de sol, algum deles se rebelar, não gostar, afrontar para não ir. Eu nunca cedi nesse aspecto, pois queria que eles entendessem que o trabalho era parte da vida e isso contribuiria para a formação do caráter dos meus três filhos. Eles tinham recompensas em forma de passeios e viagens de férias em família.
Mais adiante, todos os três escolheram suas faculdades e ficou combinado que todos deveriam ter pelo menos 5 anos de experiências em grandes empresas e fazer pós graduação voltada a negócios se quisessem voltar a trabalhar na empresa da família. Nesse movimento, minha filha Erika trabalhou bons anos em 2 grandes empresas, depois trabalhou alguns poucos anos na Casale e optou por criar seu próprio negócio em outra cidade e hoje atua como membro do conselho consultivo da nossa empresa. Meus outros dois filhos – Mário e Jaqueline – após também trabalharem por 5 anos em empresas de grande porte, optaram por tocar o negócio. E aqui eu quero entrar no segundo aspecto da sucessão familiar: o emocional.
Adultos e experientes, naturalmente meus filhos vieram com ideias novas. Eu concordava com algumas, discordava de outras, mas comecei a senti-los tecnicamente preparados. Porém, era o lado emocional que me pegava. Todo empreendedor sabe: existem momentos em que você tem todas as informações na mão e com elas toma as decisões. Mas existem outras circunstâncias onde os dados não estão disponíveis, a visibilidade não é das melhores e o gestor precisa tomar uma decisão.
Aí entra o feeling, a percepção, o faro para tomada de decisão. Trata-se de um determinado sentimento que não pode ser adequadamente explicado em palavras, mas que é determinante para tocar o negócio. Em dado momento, achei que eles não tinham isso. Havia muita teoria e técnica no comportamento deles, muita atitude. Mas isso não era suficiente quando se precisa tomar decisões difíceis. E é claro que alguns confrontos nasceram nessa fase. Inclusive misturando ambiente familiar e corporativo, o que é péssimo.
Até que, em meados de 2015, por insistência dos meus filhos (reconheço), profissionalizamos o processo de sucessão familiar. Essa foi uma decisão acertada. Pessoas de fora, preparadas, nos ajudam a enxergar coisas que às vezes não enxergamos sozinhos. Nos ajudam na organização dos pensamentos e das ações. Cedi espaço aos meus filhos e sinto que eles cederam a mim também.
Não foi um processo indolor, a parte emocional pesou muito pois havia o famoso conflito de gerações entre seres que se amam muito. Na verdade, acho que hoje atuamos juntos. Antes eu falava, eles escutavam. Depois, não me escutavam e nem eu a eles. Agora, existe uma troca, uma perfeita sintonia. E toda a empresa ganhou com isso. Aliás, não é por coincidência que os negócios estão indo muito melhor agora. Sinceramente, recomendo a profissionalização do processo de sucessão familiar. Foi um acerto. Outro, sem tamanho, foi a psicoterapia. Eu e meus filhos fazemos separadamente há mais de 5 anos. Mas esse tema rende um outro artigo.
Enfim, me preparei a vida inteira para fazer a sucessão familiar, mas confesso que quando ela chegou, foi difícil. Eu vejo muita gente dando receita pronta sobre o tema, de fato concordo que alguns processos são obrigatórios, mas cada história deve ser escrita à sua maneira. Não existe tornar tudo pragmático e fingir que não somos uma família e também não dá pra agir como se tudo fosse um assunto familiar. Não é fácil sair do controle, longe disso: é tentador achar que só nós somos capazes de tomar as melhores decisões. Ledo engano, especialmente nesse aspecto, a terapia muito me ajudou.
Mas a sucessão não impunha só a mim ponderações e concessões. Meus filhos também precisaram amadurecer, ceder, aprender a tomar decisões difíceis. Eu precisava confiar neles, mas eles precisavam mostrar que eu podia confiar. Fico muito orgulhoso de que todos nós tenhamos vencido esse obstáculo. Preservamos os negócios e, sobretudo, preservamos a união da nossa família, que é o bem maior. Hoje, digo que formar um sucessor exige planejamento, tato, cobranças e, no fim, uma boa dose de desapego.
Celso Luis Casale foi diretor presidente da Casale de 1979 a 2020 e, atualmente, é presidente do Conselho Consultivo da empresa e atua na agropecuária. Desde 2010, é conselheiro da COSAG – FIESP. É formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Uberlândia e pós graduado em marketing pela FGV.