Como a abordagem humanística e a IA responsável estão moldando o futuro da tecnologia e suas conexões com a essência humana.
Por Thayssa Rocha, Transformation Lead na Zup, empresa de tecnologia parte do grupo Itaú Unibanco.
Quem participa de eventos sobre Inteligência Artificial pode se surpreender com o espaço que a abordagem humanística tem conquistado na programação.
Enquanto me preparava para estar em Amsterdã, para participar da edição de 2024 do World Summit AI — o maior evento de IA do mundo — analisei detalhadamente a vasta programação proposta pelos organizadores e notei, de imediato, uma trilha totalmente dedicada à convergência entre inteligência artificial e aspectos humanos. Pessoalmente, como pesquisadora da área de IHC (Interação Humano-Computador), senti-me imediatamente atraída por assistir a todas as palestras e compreender o que está nos “trending topics” da inteligência artificial quando o foco são as pessoas.
Já no primeiro dia, percebi que, mesmo no palco principal, o assunto girava em torno da relação entre nossa humanidade — com todas as suas características, boas e ruins — e o poder da Inteligência Artificial. Se eu pudesse resumir o evento em um termo, sob minha perspectiva, seria: Responsible AI, ou seja, IA responsável.
Vale mencionar que este tema ganhou uma trilha específica no primeiro dia do evento e, assim como as questões humanas, permeou diversas outras trilhas e workshops.
É evidente que, ao regular, proteger e manter a ética, estamos tratando de questões diretamente relacionadas ao comportamento humano. Contudo, além do uso responsável da tecnologia, muitos palestrantes abordaram aquilo que há de mais humano em nós, o que nos diferencia das máquinas e do “artificial” dessa inteligência: nossos sentimentos, emoções e nossa essência.
Um dos temas debatidos foi como a IA vem mediando nossas conexões emocionais, levantando questionamentos sobre autenticidade e a natureza das relações humanas em um mundo digital. Refletiu-se sobre o uso da IA em aplicativos de namoro, analisando como essa tecnologia molda nossas interações antes mesmo de conhecermos alguém pessoalmente. A pergunta central foi: estamos realmente nos conectando com outras pessoas ou apenas com algoritmos? Também se discutiu o potencial da IA para auxiliar no autoconhecimento, mas com alertas sobre os perigos de entregar nossas emoções e dados a essas tecnologias. Isso desafia a ideia de que a IA nos aproxima, quando, na realidade, pode nos afastar de nós mesmos.
Outro ponto relevante foi a reflexão sobre como a IA está transformando nossa identidade e propósito. Questionou-se de que forma a automação de tarefas cotidianas, como agendar reuniões ou responder mensagens, pode impactar nossa autonomia e capacidade de tomar decisões. Embora a IA possa liberar tempo para atividades mais criativas, enfatizou-se a importância de sermos intencionais quanto às mudanças que desejamos, para que não percamos de vista aquilo que realmente nos faz felizes. A conclusão foi clara: apesar dos avanços tecnológicos, a verdadeira felicidade e propósito ainda residem nas conexões humanas genuínas.
Na centralidade do uso responsável da inteligência artificial, destacou-se a necessidade de garantir que a IA seja desenvolvida e implementada de forma inclusiva. Um dos pontos levantados foi o compromisso de grandes empresas em promover acessibilidade e inclusão por meio da IA, utilizando ferramentas que garantam seu uso ético. Também foi ressaltada a importância de fomentar pesquisas de código aberto, impulsionando o avanço global da IA de maneira transparente e colaborativa.
Um painel particularmente interessante abordou os desafios de alcançar um consenso global sobre a regulação da IA. Especialistas concordaram que a regulação deve ser clara e prática, garantindo que a tecnologia seja confiável e responsável, além de incluir uma diversidade de vozes nas discussões. A autorregulação das empresas de tecnologia foi questionada; embora vista como uma oportunidade de demonstrar responsabilidade, ela deve ser acompanhada por uma compreensão científica mais profunda e interdisciplinar.
O uso responsável da IA foi apresentado como essencial para mitigar riscos e maximizar os benefícios da tecnologia para diferentes setores da sociedade. A mensagem central foi clara: a IA deve ser uma força para o bem comum, promovendo impacto positivo e equitativo.
Sem dúvida, embora se fale tanto sobre máquinas, ainda é tudo sobre pessoas.