Como a contratação de profissionais neurodivergentes traz benefícios para toda a empresa
Por Renata Spallicci – Vice-Presidente da Apsen Farmacêutica e autora do livro “Sucesso é o resultado de times apaixonados” e Cássia Hiramoto – Diretora de Recursos Humanos da Apsen e atua há 20 anos como executiva em Recursos Humanos.
“Antes de fazer a declaração inicial, peço a compreensão de todos. Eu tenho o transtorno do espectro autista. Então, para muitos, minha fala e minhas ações podem parecer estranhas. Mas tenho amor pela lei e respeito pela ré, assim como qualquer advogado”. O pedido de compreensão da protagonista da série sul-coreana original Netflix, “Uma advogada extraordinária”, durante o seu primeiro julgamento com júri popular, poderia muito bem ter sido feito por qualquer pessoa em seu primeiro dia de trabalho ou diante de um desafio inédito na carreira.
A série apresenta a trajetória de uma a advogada brilhante, dentro do espectro autista, que convive com a desconfiança de colegas de trabalho e clientes, que subestimam a sua capacidade antes mesmo de a verem atuando. “Todos nós temos fragilidades, algum tipo de deficiência ou vulnerabilidade, e potenciais que muitas vezes estão apagados dentro do mercado de trabalho quando se olha apenas para a fragilidade”, é o que explica Christine da Silva, autora do livro “A diversidade invisível: as pessoas AH/SD e a vida profissional” e pessoa neurodivergente.
Neurodiversidade é um conceito que foi atribuído pela primeira vez pela socióloga australiana, Judy Singer, para um livro publicado pela UK Open University Press no final da década de 90. Judy defende a neurodiversidade como qualquer diferença na condição do cérebro humano. Diferenças essas que não são só cognitivas, mas que englobam toda uma forma de ser e de se colocar no mundo. Entre as condições que uma pessoa neurodivergente pode apresentar, existe o autismo, a dislexia, o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), síndrome de Tourette, entre outras.
Todos temos medos, vulnerabilidades e algum tipo de comportamento que pode ser considerado fora do comum. Então, se somos todos diferentes e extraordinários em nossas individualidades, por que ainda insistimos em estabelecer padrões que limitam a nossa forma de pensar e de viver em sociedade?
O papel das empresas é cuidar da carreira dos indivíduos com diálogo e acolhimento para ajudar no desenvolvimento profissional, estimulando o crescimento e o protagonismo dos colaboradores. Tudo isso dentro de um ambiente permeado pela diversidade e a inclusão, onde as pessoas possam conviver com as diferenças, ao mesmo tempo em que têm as suas individualidades respeitadas.
De acordo com o programa Neurodiversidade no Trabalho, da Universidade Stanford, cerca de 20% da população mundial é considerada neurodiversa. Trazer a inclusão para o dia a dia dos trabalhadores significa agregar cada vez mais pessoas. Trata-se de uma evolução da cultura organizacional, a promoção de uma mudança na forma de trabalhar e comprova o amadurecimento da companhia.
Um projeto implantado na Apsen Farmacêutica mostra que é possível incluir pessoas com deficiência intelectual no ambiente corporativo e dentro de uma fábrica. O processo não foi simples ou rápido e teve apoio de especialistas, que indicaram os melhores caminhos e sinalizaram os obstáculos e desafios que precisavam ser superados para que esses colaboradores se sentissem acolhidos e adaptados à rotina de trabalho.
Em parceria com o Instituto Jô Clemente, a Apsen Farmacêutica selecionou e contratou 10 jovens portadores de deficiência intelectual para trabalhar em diferentes departamentos da empresa, muitos desses colaboradores tinham sonhos e vontade de trabalhar, mas que até então não tinham tido chance de mostrar seu potencial. A oportunidade de um trabalho regular mostrou que eles são capazes e possibilitaram sonhar e planejar uma vida mais plena.
A chegada dos novos colaboradores teve impacto na empresa, pois foram necessárias diversas mudanças e adaptações para desenvolver mais ainda o que poderia ser mudado na rotina desses departamentos, foi necessário rever processos.
Todos os funcionários da companhia foram convidados a participar de uma palestra de sensibilização sobre neurodiversidade, com dicas e boas práticas para receber os novos colaboradores. Também foi realizada uma roda de conversa com líderes das áreas e tutores diretos dos novos funcionários para direcionar e treinar cada um de acordo com a particularidade do perfil que seria recebido sua equipe.
Um momento muito importante porque, além de esclarecer dúvidas e receber orientações sobre como agregar esses perfis diversos, os colaboradores puderam expor seus medos e inseguranças, bem como exercitar um olhar mais tolerante e com empatia para lidar com esse novo colega.
Mais do que dar oportunidade para quem precisa adentrar no mercado de trabalho, a contratação de neurodivergentes força uma mudança de dentro para fora, estabelecendo uma relação de ganho mútuo, além de garantir que as empresas sejam agentes de transformação e desenvolvimento para uma sociedade mais diversa e inclusiva em todos os aspectos.