A fim de evitar que algum trabalhador seja moralmente assediado nas empresas, é importante criar regras de conduta claras
Meu chefe me deu uma “bronca” porque eu não tomei determinada providência da forma ou na data combinada e isso me deixou muito chateado. Isso é assédio moral? Se a tal “bronca” não foi de forma humilhante, abusiva, aos berros e xingamentos, e reiterada, não. Não é.
Muitos empresários têm notado o crescimento, na Justiça do Trabalho, do pedido de indenização por assédio moral. Em alguns casos, o trabalhador foi mesmo submetido a repetidas situações de constrangimento e humilhação, sendo justa a indenização. Mas, em outros, a tal “bronca” foi apenas o estopim de um estresse mental adquirido e agravado fora do ambiente de trabalho, ao longo dos anos.
Estudos mostram que o distúrbio psicológico é um dos males que ganham força neste início de século e se manifesta em quadros de ansiedade, depressão, síndrome do pânico, hipertensão, mania de perseguição, TOC etc. Sua causa é variada, podendo decorrer de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais. Até mesmo as aparentemente inofensivas redes sociais têm contribuído para o surgimento e/ou agravamento desses transtornos psicossomáticos.
Por isso, numa ação trabalhista, as partes (advogados e juízes) têm de ser muito cautelosas na hora de avaliar:
- Se a conduta de determinado integrante da empresa configurou mesmo um assédio moral ao trabalhador (no direito é o chamado ato ilícito).
- Qual a extensão dos transtornos psicológicos (o dano)?
- Se há conexão entre a conduta do integrante da empresa e os transtornos psicossomáticos identificados no trabalhador (o nexo de causalidade).
Não se trata de minimizar o sofrimento que grande parte da população mundial, vítima de assédio moral realmente indenizável, suporta como consequência de abalos psicológicos causados no ambiente de trabalho. Porém, diante da gravidade do tema, que expõe tanto o empregador quanto a intimidade do trabalhador, o que se sugere é uma cuidadosa reflexão sobre a real existência do assédio moral, da sua verdadeira dimensão e da efetiva ligação entre o suposto ato ilícito e o dano.
Para certificar que o dano reclamado em uma ação trabalhista é mesmo resultado de assédio moral, é preciso verificar se o trabalhador, reiteradamente, foi vítima de alguma violência psicológica, a exemplo de ser habitualmente exposto a situações humilhantes, ser constantemente pressionado a metas inatingíveis, ser perseguido, ser tratado de forma diferente dos demais etc.
E, para avaliar a conexão entre a atitude do integrante da empresa e os danos encontrados, é de suma importância considerar também se outros fatores (biológicos, psicológicos, sociais e culturais) podem ou não ter contribuído para o surgimento e/ou agravamento do dano e em qual proporção.
Ressalte-se, uma vez mais, que o assédio moral pressupõe a exposição reiterada do trabalhador a situações humilhantes. Não deriva de atos isolados, como a tal “bronca” pela não entrega de determinada providência da forma ou na data combinada.
Aliás, ao contrário do que muitos acreditam, o assédio moral não é uma violência exclusivamente vertical descendente (do chefe para o subordinado). Ela ocorre também de forma vertical ascendente (do subordinado para o chefe) e, ainda, de modo horizontal (entre os próprios colegas de trabalho).
Como não há na legislação trabalhista um regramento próprio para a tipificação dos atos que motivam o assédio moral, os casos levados à Justiça do Trabalho exigem dos advogados e dos juízes a rigorosa interpretação do caso concreto. E é da soma de todo conjunto de provas (que, aqui se propõe, seja sempre ampliada para a análise dos fatores biológicos, psicológicos e socioculturais do ofendido) que poderá se chegar à conclusão de que determinado trabalhador foi ou não assediado moralmente e também verificar qual a real correspondência entre o dano e a atitude tida como abusiva.
A fim de evitar que algum trabalhador seja moralmente assediado nas empresas, é importante criar regras de conduta claras contra todas as formas de discriminação. Além disso, a abertura de um canal para noticiar eventuais abusos estabelece um mecanismo de controle do comportamento das equipes e garante a apuração dos fatos para que rapidamente sejam tomadas as medidas legais cabíveis.
Leonardo Francisco Ruivo é advogado e sócio fundador do BGR Advogados.
Foto de capa: Pixabay