Nova NR-1 exige que empresas deixem o discurso e adotem práticas efetivas de cuidado com a saúde mental, colocando os riscos psicossociais no centro da gestão de pessoas.
Por Rui Duarte Brandão, VP de Saúde Mental da Conexa
A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) marca um ponto de inflexão nas relações de trabalho no Brasil. Mais do que uma diretriz técnica, a mudança sinaliza uma exigência por um novo olhar sobre a saúde mental no ambiente corporativo — e chega em um momento crítico. Somente em 2024, mais de 440 mil trabalhadores foram afastados por transtornos mentais e comportamentais, um recorde histórico, com aumento de quase 67% em relação ao ano anterior, segundo dados do Ministério da Previdência Social.
Nesse contexto, a nova NR-1 assume um foco claro: os riscos psicossociais precisam ser mapeados, avaliados, monitorados e enfrentados com ações concretas. A norma vai além da adoção de ferramentas ou métodos; ela exige das empresas uma postura ativa na identificação e eliminação das causas estruturais do adoecimento — como a sobrecarga de trabalho, falhas de comunicação, conflitos e assédio.
No novo cenário regulatório, manter baixos índices de afastamentos e absenteísmo já não é suficiente para garantir conformidade. Esses indicadores, isoladamente, podem mascarar subnotificações e fragilidades internas. O que passa a ser exigido é um programa robusto de gestão de riscos psicossociais, com indicadores claros, participação ativa dos trabalhadores e processos de melhoria contínua.
A voz dos colaboradores, inclusive, passa a ter valor normativo: as empresas devem consultá-los regularmente sobre sua percepção em relação ao ambiente de trabalho. Essa escuta ativa se torna peça-chave para a efetividade das ações.
De discurso à prática: um novo imperativo cultural
Com o novo impulso regulatório, as empresas se veem diante da oportunidade — e da obrigação — de acelerar uma mudança estrutural e necessária. Se até aqui a pauta da saúde mental ganhou espaço principalmente no discurso, agora é a hora de transformar palavras em ações reais e construir uma cultura organizacional centrada no bem-estar.
Na prática, isso se traduz em:
Programas contínuos de promoção ao bem-estar físico e emocional;
Canais seguros de escuta e acolhimento;
Treinamentos em inteligência emocional;
Lideranças mais preparadas para lidar com os desafios mentais das equipes.
Outro ponto estratégico é a criação de comitês multidisciplinares que envolvam diferentes áreas e níveis hierárquicos, assumindo responsabilidade compartilhada e monitoramento permanente dos avanços.
Essa abordagem favorece a adaptação das estratégias à realidade específica de cada organização e fortalece a ideia de que o cuidado com a saúde mental deve ser uma construção coletiva e contínua.
Um novo capítulo na gestão de pessoas
Ao integrar a escuta ativa dos trabalhadores ao planejamento das ações, a empresa aumenta a efetividade das soluções e reduz o risco de medidas genéricas ou desalinhadas com a realidade interna. A saúde mental, portanto, deixa de ser apenas uma preocupação setorial para se tornar parte estratégica da gestão de risco e do desempenho organizacional.
A atualização da NR-1 é mais do que uma exigência legal — é um convite à transformação cultural. Trata-se de um chamado à ação: o trabalho deve ser um espaço de desenvolvimento humano, e não de adoecimento.
As novas regras já estão em vigor. Agora, cabe a cada empresa decidir como irá se adaptar: por obrigação ou por consciência?