Caros leitores, como professor de filosofia, dedico-me a explorar as complexidades do pensamento humano e as estruturas que moldam nossa convivência. Hoje, proponho uma reflexão profunda sobre um tema crucial para a saúde de qualquer sociedade que se pretenda livre: a relação antagônica entre censura e democracia.
Vivemos em uma era em que a informação flui com uma velocidade sem precedentes. Nesse contexto, surgem vozes que, em nome da proteção da própria democracia, defendem a censura de perfis, conteúdos e opiniões, alegando combater “fake news” e “discursos de ódio”. No entanto, tal postura, sob uma análise filosófica rigorosa, revela-se um paradoxo autodestrutivo, uma falácia que corrói os pilares que sustentam uma sociedade verdadeiramente democrática.
Para ilustrar essa incompatibilidade, proponho uma “equação” conceitual, uma ferramenta didática para desvendar a essência dessa relação conflituosa:
- (Liberdade de Expressão plena + Debate aberto) x (Verificação contínua + Responsabilização a posteriori) = Democracia Robusta
- (Censura prévia + Subjetividade do poder) / (Transparência + Diversidade de opiniões) = Autocracia Latente
Desmembremos essa equação. De um lado, temos os elementos que fortalecem a democracia. A liberdade de expressão plena, sem amarras ou cerceamentos, é o oxigênio de uma sociedade livre. Somada ao debate aberto, ela permite a circulação de ideias, o confronto de perspectivas e a construção coletiva do conhecimento. É no calor desse debate, por vezes acalorado e incômodo, que se forja o progresso intelectual e social.
Mas a liberdade não é um cheque em branco. Ela vem acompanhada de responsabilidade. A verificação contínua representa o exercício constante do pensamento crítico, a busca incessante pela verdade, o escrutínio rigoroso das informações que chegam até nós. E a responsabilização a posteriori, ou seja, após a manifestação do discurso, assegura que aqueles que comprovadamente causarem danos a outrem através de calúnia, difamação ou injúria sejam responsabilizados perante a lei. Esses mecanismos de responsabilização jamais devem significar uma autorização prévia ao silenciamento de quem quer que seja, pois as leis atuam como um corretivo posterior, nunca como uma mordaça preventiva.
Agora, voltemos nosso olhar para o outro lado da equação, onde residem os elementos que conduzem à autocracia. A censura prévia é o ato de silenciar, de impedir que uma ideia seja expressa antes mesmo de ser conhecida e debatida. Ela é a antítese do diálogo, a negação da pluralidade, o instrumento do tirano que teme o escrutínio público.
Quando a censura se une à subjetividade do poder, o perigo se amplifica. A definição do que é “verdadeiro” ou “falso”, “aceitável” ou “inaceitável” deixa de ser pautada por critérios objetivos e universais e passa a ser ditada pelos interesses daqueles que detêm o poder. Termos como “fake news” e “discurso de ódio”, sem uma definição precisa e consensual, tornam-se ferramentas perigosas nas mãos de qualquer autoridade, permitindo que vozes legítimas sejam caladas sob o pretexto de uma suposta proteção social.
A censura corrói dois pilares fundamentais da democracia: a transparência e a diversidade de opiniões. Um governo que se esconde nas sombras da censura, que não se submete ao escrutínio público, que teme o confronto de ideias, é um governo que se distancia da transparência necessária para que o povo acompanhe os seus atos e cobre responsabilidades. Da mesma forma, uma sociedade amordaçada, privada do acesso à pluralidade de pensamento, torna-se presa fácil da manipulação e do controle.
O resultado dessa equação é claro: a censura, principalmente quando aplicada de forma prévia e baseada na subjetividade, nos aproxima perigosamente de uma autocracia latente. Não se trata de um regime autoritário declarado, mas de um ambiente onde as condições para a sua emergência estão sendo silenciosamente construídas. É a autocracia vestida com as roupas da democracia, um lobo em pele de cordeiro.
A história nos ensina que a censura nunca foi instrumento de proteção da verdade ou da democracia. Pelo contrário, sempre esteve a serviço da tirania, do controle e da opressão. A busca pela verdade é um processo dinâmico, que se alimenta do debate, da crítica e da possibilidade de revermos nossas próprias convicções. Censurar, sob qualquer pretexto, é interromper esse processo, é impedir o florescimento do conhecimento e a evolução da sociedade.
Portanto, meus caros, a defesa da democracia não passa pela censura, mas pela promoção irrestrita da liberdade de expressão. É preciso coragem para suportar o peso da liberdade, para lidar com as ideias que nos desafiam e nos incomodam. Mas é essa coragem que nos torna verdadeiramente livres. Lembremos sempre: uma democracia que recorre à censura para sobreviver é uma contradição em termos, uma farsa que se autodestrói. A verdadeira democracia se nutre da liberdade, do debate e da responsabilidade. É nosso dever, como cidadãos e defensores da liberdade, zelar por esses valores inegociáveis, pois são eles que garantem a nossa dignidade e a nossa capacidade de construir, coletivamente, um futuro melhor. Não permitamos que o medo ou a conveniência nos afastem do caminho da verdadeira democracia, pois, como nos ensina a filosofia, a liberdade é o bem mais precioso que possuímos, e é somente através dela que podemos alcançar a plenitude de nossa existência.