Rafaela Frankenthal é co-fundadora da Safe Space, graduada em comunicação e marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), mestre em gênero, sociedade e representação pela University College London (UCL)
Durante todo o mês de junho, fomos expostos a muitas campanhas publicitárias com a temática LGBTQIA+, que ano após ano têm se popularizado nas empresas brasileiras. Mas será que criar peças publicitárias é suficiente? Qual o impacto das campanhas e dos logos coloridos na experiência das pessoas LGBTQIA+ no mercado de trabalho? A verdade é que a publicação dessas mensagens e o uso da bandeira arco-íris, que pode ter parecido atos revolucionários alguns anos atrás, hoje estão sendo muito questionadas por esse público.
Uma recente pesquisa feita com profissionais autodeclarados membros da comunidade LGBTQIA+, produzida pela MindMiners em parceria com a SafeSpace, revelou que cerca de 70% dos entrevistados escondem ou já esconderam sua sexualidade no ambiente de trabalho por medo de sofrer discriminação. Depois de assumidos, 55% responderam que já foram ou são vítimas de discriminação.
Apesar de ser responsabilidade das marcas se posicionar contra todo tipo de preconceito, ao menos 42% dos entrevistados não souberam responder se a cultura da empresa sustenta os valores a favor do movimento LGBTQIA+ que promete ao público nas campanhas publicitárias. Esse resultado em específico nos dá uma dimensão do abismo que ainda precisa ser superado para garantir uma coerência entre os valores comercializados e os valores implementados no dia a dia das companhias.
Sem dúvidas, adotar a bandeira do arco-íris, o famoso símbolo pride, pode ser uma mobilização significativa, uma vez que as grandes marcas e companhias têm um papel fundamental em popularizar esse processo de conscientização. Mas o foco na discussão aqui não deve ser julgar se mudar o logo da empresa para a versão colorida é um ato positivo ou negativo. O que devemos questionar, tanto como consumidores quanto como empresas, é ‘como as marcas podem se mostrar aliadas ao movimento de uma forma autêntica, significante e sustentável?’
A resposta para essa pergunta com certeza não é simples. Diante de todo esse contexto, é necessário fazer uma reflexão profunda sobre como as empresas podem colocar em prática uma verdadeira estratégia de inclusão, que considere e abarque as diferentes realidades desses profissionais. Esse processo é, sem dúvidas, o mais difícil de se alcançar na hora de desenvolver uma verdadeira política de diversidade e inclusão. preciso, contudo, que esse seja um movimento de dentro para fora das empresas, assim como uma responsabilidade de todas as pessoas. No levantamento, por exemplo, 35% dos entrevistados disseram ainda se sentir pouco ou nada confortável para falar sobre ser LGBTQIA+ no ambiente de trabalho.
Isso porque os desafios aqui são muitos: a falta de representatividade, especialmente em posições de liderança, e a persistência de casos de LGBTQIA+fobia, assédio e discriminação no ambiente corporativo se somam aos traumas e às experiências individuais de cada pessoa que se assume membro da comunidade LGBTQIA+ no Brasil.
Infelizmente, sabemos que não são raros os relatos de pessoas que sofrem preconceito dentro das próprias famílias e da própria sociedade por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero. É por isso que é imprescindível que o ambiente corporativo seja um lugar seguro e verdadeiramente inclusivo para todas essas pessoas. Dos diversos insights levantados pela pesquisa da MindMiners com a SafeSpace, um que chama bastante atenção é exigência do público em relação à participação das empresas em mais eventos da comunidade LGBTQIA+, o que ajudaria na construção da empatia e no entendimento do que é realmente importante para garantir a inclusão dessas pessoas.
Outras ações indicadas pelos entrevistados como importantes envolvem mais esforço de recrutamento desses profissionais, maior representatividade em posições de liderança, criação de políticas e mecanismos internos anti-assédio e anti-discriminação, treinamento sobre o tema a todos os colaboradores das empresas além de doações para organizações filantrópicas que atuam com a população LGBTQIA+ e da promoção de campanhas publicitárias com pessoas que realmente representem a comunidade em toda a sua pluralidade.
Para Danielle Almeida, CMO da MindMiners e nossa parceira nesse estudo, discrepância entre o que é comunicado pelas empresas, com campanhas impactantes que abraçam a diversidade, e o que acontece dentro “de casa”, onde ser LGBTQIA+ ainda representa um estigma, é exatamente o que precisa mudar. “Se sua empresa faz algo apenas para fora, para ser vista pelos outros, está na hora de rever sua estratégia. Quando falamos em LGBTQIA+ e em tantas outras causas igualmente importantes, a preocupação com o tema deve fazer parte da essência da empresa e, por isso, deve estar refletida em tudo aquilo o que ela faz. O colaborador deve ser o primeiro a sentir e viver aquele propósito e compromisso. Mais do que nunca é preciso resolver essa incoerência para que exista verdade naquilo que uma marca expõe ao mundo, assim como colaboradores mais incluídos e livres para ser eles mesmos”, reflete Almeida.
Portanto, fica aqui a nossa provocação. Se você quer mesmo posicionar a sua marca e empresa como aliada ao movimento LGBTQIA+, considere transformar a sua estratégia de marketing para o mês do orgulho em uma estratégia de inclusão para o ano todo, que inclua políticas que genuinamente coloquem as necessidades da comunidade LGBTQIA+ em primeiro lugar. Ao invés do logo colorido no mês de junho, deixe que as práticas e ações da empresa demonstrem apoio à comunidade LGBTQIA+ ao longo do ano todo.