Para um programa sólido de compliance, não podemos deixar de falar também da importância da implementação de canais de denúncia efetivos
Ao longo dos meus quase 30 anos de experiência corporativa, tenho refletido sobre os fatores mais relevantes para que organizações se tornem centenárias e continuem crescendo nos tempos de hoje. Vejo que, não à toa, as mais longevas são aquelas que passam mais credibilidade, confiança e segurança aos clientes, parceiros, investidores e colaboradores. Nesse sentido, a transparência é um valor fundamental para o sucesso de qualquer instituição – mas, para fortalecê-la, é necessário adotar algumas estratégias e buscar constante atualização para atender as novas expectativas do mercado e da sociedade em geral.
Durante a minha carreira, tive a oportunidade de observar na prática que nada disso é possível sem uma base sólida. Por isso, o primeiro passo é a construção de políticas claras que prezem pela transparência. Isso inclui políticas internas que passem diretrizes sobre como devem ser as relações entre colaboradores, fornecedores e clientes, assim como a publicação de informações simples e acessíveis sobre a empresa e suas práticas de negócios. É importante que essas políticas sejam divulgadas e reforçadas regularmente para que todos estejam cientes das expectativas e responsabilidades de cada um, em qualquer nível hierárquico.
Porém, para garantir que essas políticas sejam assimiladas e aplicadas no dia a dia, elas devem ser vividas e transmitidas a todos a quem se aplica. Treinamentos regulares sobre ética e compliance devem ficar, portanto, em primeiro plano. A ética precisa ser um valor enraizado na cultura da empresa e de seus colaboradores, e é importante que fiquem claros os valores inegociáveis da empresa, tanto a partir de treinamentos quanto de orientações para que possam tomar decisões éticas em suas atividades diárias. Além disso, a implementação de programas sólidos de compliance ajuda a garantir que as práticas da empresa estejam em conformidade com as leis e regulamentações. Isso tudo, em conjunto, reforça a integridade da organização.
Para um programa sólido de compliance, não podemos deixar de falar também da importância da implementação de canais de denúncia efetivos e independentes, que permitam que os colaboradores relatem qualquer violação de políticas internas, práticas inadequadas ou comportamentos antiéticos – sem medo de retaliação ou de exposição. Para isso, é crucial que esses canais sejam de fato seguros, confidenciais e de fácil acesso.
Outro ponto relevante é que há um movimento crescente de monitoramento de riscos – o que é fundamental para ajudar na identificação e no gerenciamento de riscos potenciais, garantindo a conformidade e a integridade da empresa. Segundo pesquisa¹ da KPMG divulgada em janeiro deste ano e realizada com 293 companhias abertas no Brasil, cada vez mais empresas têm reportado contar com uma área para o gerenciamento de riscos. O levantamento revela que 80% dizem já ter essa área específica, maior percentual em todas as 17 edições do estudo. Essa é uma boa notícia, já que a gestão de riscos é um importante pilar para a transparência empresarial.
Vale pontuar, por fim, que nada é mais efetivo na criação e manutenção de uma empresa ética que o próprio exemplo da liderança, o famoso “tone from the top” — o exemplo vem de cima. Talvez esse seja o principal aspecto que sustenta a cultura e os valores éticos de uma corporação. Os líderes devem sempre se pautar pela ética, ser exemplos de compliance com as políticas internas da empresa e viver os valores que querem ter presentes. Devem ser intencionais e vocais sobre esses valores e a aderência às políticas internas.
Quase três décadas atuando no universo corporativo me ensinaram que adotar políticas claras, realizar treinamentos regulares sobre ética e compliance, implementar canais de denúncia efetivos, gerenciar riscos potenciais e ter o exemplo da liderança são, portanto, alguns dos passos fundamentais para organizações que buscam a transparência. Na “era da informação”, investir tempo e recursos na adoção dessas práticas significa nada menos que criar relações sólidas, duradouras e de confiança com seus principais públicos – algo imprescindível para a sustentabilidade de qualquer negócio que queira ir muito além dos seus cem anos.
Por Erica Barbagalo – VP de Jurídico, Patentes e Compliance da Bayer no Brasil e Jurídico para o negócio agro na América Latina
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¹ Fonte de pesquisa: KPMG. “A Governança Corporativa e o Mercado de Capital” – 17ª edição