É perceptível que os últimos anos foram marcados por transformações importantes geradas por uma interação única entre novas tecnologias e mudanças de comportamento. Até mesmo as transições mais planejadas tiveram desdobramentos e consequências imprevistas, com impactos tanto positivos quanto negativos, mas ainda assim inesperados. Sim, é esse o mundo incerto, ambíguo, volátil, ansioso e extremamente complexo que a gente vive. E é exatamente nesse tumulto de tecnologias e mudanças em que as empresas estão sendo desafiadas a buscar novos modelos de atuação e de negócios, formar novas estruturas, além de realizar práticas mais sustentáveis e humanas.
O primeiro passo, e talvez um dos mais importantes, para se fazer isso é colocar a inovação no centro do planejamento. Embora esse discurso esteja nas falas de muitas lideranças, colocá-lo em prática é mais complexo e desafiador do que parece. Por essa razão, o alinhamento de um propósito inovador dentro das empresas precisa ser reforçado a cada momento. Isso faz com que o desenvolvimento do negócio flua de uma maneira mais natural quando grandes mudanças comportamentais acontecem.
É sempre bom ter em mente que, quando uma nova tecnologia emerge, inicia-se o exercício de aplicação em diferentes contextos e problemas. Certamente, em muitos ambientes a tecnologia não vai prosperar. Mas, para os cenários em que essas aplicações funcionarem, a transformação acontecerá em toda a sua cadeia de negócio. Embora muitos elementos possam influenciar essa adoção bem sucedida, a aplicação precisa gerar valor e trazer benefícios de forma viável para empresas e seus clientes. Também é necessário que ela supere alternativas análogas para a solução do problema, assim, esse valor gerado é sempre relativo a outras possibilidades.
Com as mudanças comportamentais que estamos vivenciando, é necessário entender os processos por trás da adoção de novas tecnologias, conceitos ou modelos, e como podem ser estabelecidos. Questione se eles possuem potencial para serem transformados em novas práticas. Se a resposta for positiva, essa tecnologia possui um futuro promissor. O exercício de avaliar o potencial estabelecimento de novas tecnologias, conceitos e processos exige observar e deduzir consequências existentes e futuras para as pessoas em diferentes contextos.
Podemos analisar 4 tipos de consequências para gerar insights importantes, sendo elas relativas a novas práticas para clientes, empresa, colaboradores, sociedade em geral.
Consequências positivas de curto prazo: são aquelas que geram valor agora para empresa, clientes, usuários, colaboradores. Elas trazem um benefício quase imediato nesse sentido e, por isso, são muito potentes no estabelecimento de novas práticas comportamentais culturais.
Consequências positivas de longo prazo: são consequências que somente se concretizam pelo efeito acumulado das novas práticas de uma ou grupo de pessoas. Quando uma tecnologia gera somente esse tipo de consequência, é mais difícil estabelecer seus processos comportamentais inerentes, práticas culturais. Normalmente é necessária muita educação e artefatos de manutenção desses comportamentos em curto prazo, porque somos seres imediatistas e quando nossa cultura não fortalece esse olhar para o futuro, tudo fica mais difícil.
Consequências negativas de curto prazo: são os efeitos indesejados ou “custo” do novo processo comportamental. São consequências naturalmente geradas, mas raramente reconhecidas ou descritas. Elas podem prejudicar muito a adoção de novas tecnologias ou conceitos (quando o esforço que tenho que fazer me parece maior que o valor que ela gera).
Consequências negativas de longo prazo: essas são as mais negligenciadas. Muitas vezes conseguimos deduzir, mas não damos a importância devida, não deixamos que influencie nossas decisões. O grande desafio é que o poder tecnológico tem impactos muito potentes em longo prazo, gerando dilemas éticos sérios. Muitas sociedades e empresas têm se organizado para olhar com mais cuidado para esse tipo de consequência, seja estabelecendo novas regulamentações ou contratando especialistas em ética para os negócios. Fato é que por mais que fiquem fora do radar das decisões de negócio, elas tendem a se tornar presentes e viabilizar, ou não, as mudanças.
Além de analisar o tipo de consequência, é importante fazer esse exercício aplicado a diferentes contextos: a organização, seus colaboradores, a sociedade e o meio ambiente. O que é valor e consequência positiva para um pode não ser para o outro. Ou seja, cada vez mais esse equilíbrio e sintonia vai definir práticas perenes.
Em um mundo onde quase tudo está sendo repensado e a tecnologia está determinando novas possibilidades para o ser humano e a vida no planeta, é necessário reconhecer o poder e responsabilidade que as grandes empresas, os gestores de inovação e empreendedores de startups possuem. São eles que atuam como selecionadores das tecnologias que vão determinar o mundo em que vamos viver nos próximos anos.
Portanto, os tempos atuais exigem uma clareza muito grande por parte de líderes e gestores, caso queiram alcançar uma inovação genuína. Isso porque somente quando a inovação entende o contexto contemporâneo político-social em que se encontra é que ela consegue sobreviver e influenciar as mudanças comportamentais, que serão cada vez mais comuns no mundo pós-pandemia.
Renata Horta é Diretora de Inovação e Conhecimento da Troposlab, empresa especialista em inovação e intraempreendedorismo.