Diversos países vivem o fenômeno chamado “A grande renúncia”, caracterizado pelo aumento significativo de pedidos de demissão
Somos seres desejantes. Temos necessidades diferentes, motivações diferentes. Como passamos o maior tempo da vida na empresa, parece ser lógico que buscaremos satisfazer boa parte das nossas necessidades nesse ambiente. E, boa parte da atenção de um líder deve estar em entender e gerenciar as expectativas. É preciso lidar com as expectativas do cliente externo e interno, dos pares, superiores hierárquicos, colaboradores. E com as próprias!
Nas pesquisas de engajamento e clima de muitas empresas é comum que um dos itens de menor favorabilidade é o que trata da percepção do colaborador em relação a oportunidade de desenvolvimento e a possibilidade de carreira. Como o gestor é o representante direto da empresa, a conversa sobre estes temas é inevitável.
Muitos gestores temem os diálogos sobre isso, acreditando que estimularão expectativas que nem sempre poderão ser atendidas. Este pensamento é uma falácia, pois as expectativas existem de qualquer forma e afetam as atitudes e a performance da equipe. Então, o que é preferível? Lidar com elas tendo claro quais são ou deixá-las embaixo do tapete?
Estas conversas se fazem ainda mais necessárias agora, já que o turnover atingiu patamares acima das médias históricas. Diversos países vivem o fenômeno chamado “A grande renúncia”, caracterizado pelo aumento significativo de pedidos de demissão. Os gastos com o turnover são enormes, tanto os diretos (custos de rescisão, de novos processos seletivos, de investimento de treinamentos) como os indiretos (sobrecarga de trabalho do gestor e equipe, diminuição da qualidade, impacto no clima). A gestão do turnover não deve estar apenas na mão dos gestores, mas algumas práticas desses podem afetar positivamente. As conversas sobre carreira não eliminam o turnover, mas podem representar uma diminuição.
Por outro lado, dependendo da condução desse tema, o efeito pode ser contrário ao desejado. É preciso estar bem-preparado para essa conversa. Já ouvi muitos relatos de experiências ruins, decorrentes de alguns deslizes que os gestores cometem. Isso geralmente se dá por modelos mentais equivocados e posturas inadequadas que os gestores possuem e não percebem. Então, convido você para olhar para si mesmo e para suas atitudes. Não tenho nenhuma dúvida que você busca sempre o melhor, mas talvez não tenha ainda um bom repertório para isso.
Atualmente, muitos colaboradores demonstram ter a expectativa de uma evolução de carreira muito acelerada e em um ambiente de menos estresse. Não vou entrar no mérito do porquê isso está acontecendo. A situação está aí e me deterei a refletir como lidar com ela. Só comento que essa mudança na relação com o trabalho tem um lado extremamente benéfico; mas, por outro, traz alguns efeitos colaterais complicados para a empresa e para os próprios colaboradores.
É completamente legítimo uma pessoa desejar mais qualidade de vida, trabalhar menos, ganhar bem, ser promovida rapidamente, trabalhar com o que tem mais significado pessoal e seja lá o que for. Ou ainda não ter expectativa de crescer. Mas isso não significa que no gestor ou a empresa tenham obrigação de dar conta dessas expectativas. Agora, não é possível simplesmente ignorar que há uma tendência de mais e mais colaboradores buscarem algumas das coisas citadas. Buscar um meio termo entre o desejo e o que pode ser oferecido parece ser salutar a todos.
Por isso, é fundamental ter clareza sobre quais são os papéis do gestor e do colaborador para que as expectativas de como cada um pode contribuir e o que pode ser esperado estejam alinhadas.
O colaborador é o principal responsável por sua carreira e o maior responsável pelo seu próprio desenvolvimento. É um sinal de maturidade saber avaliar se seus anseios coincidem com as necessidades da empresa e é sua obrigação buscar e aceitar oportunidades que alavancarão o desenvolvimento. Alguns profissionais têm a seguinte postura “quero crescer, desde que…” e, às vezes, estas condições são incongruentes com o objetivo manifestado.
Já o gestor precisa conhecer os objetivos da empresa e dos colaboradores para buscar pontos de alinhamento. Fazer perguntas que ajudem os membros da sua equipe a refletir sobre as aspirações, experiências e perfil. Ele pode ajudar a definir um Plano de Ação de Melhoria viável e mensurável para cada um e deve fazer o acompanhamento das atividades do plano, dando feedbacks específicos e sugestões pertinentes. Pode ajudar nos contatos e nos relacionamentos na empresa e interceder, principalmente junto à alta gerência e outros grupos da empresa, para abrir caminhos.
Papéis definidos, chega o momento de abordar as expectativas de carreira. Neste momento, é importante certificar-se que o profissional sabe que o que ele está manifestando será considerado, mas que é apenas uma expectativa, não uma promessa. Nunca deixe subentendido que há uma possibilidade se isso não é verdade. Muitos gestores acabam fazendo isso com medo de serem sinceros e desmotivarem ou perderem o colaborador, mas não existe liderança sem relação de confiança. O que você pode oferecer é a sua parceria e empenho para que o desejo ocorra. Limite-se a dizer o que está sob sua zona de influência.
Às vezes, o colaborador deseja tanto uma nova posição que subestima os desafios da mesma. É um belo trabalho do gestor ajudá-lo a entender as implicações da escolha, mas cuidado para não dar a entender que o está desestimulando. Ser realista e honesto ao mostrar se o perfil está adequado à posição que almeja é o ideal, mostrando evidências e incentivando a busca por objetivos que sejam factíveis também para a empresa. Após as colocações, pergunte se está disposto a percorrer este caminho. Caso não esteja, poderá incentivá-lo a buscar outras ambições, nas quais as motivações intrínsecas também possam ser satisfeitas. Se isso não for possível, considerem que a saída da empresa pode ser uma alternativa. É a hora então de planejar uma transição, incentivando que saia deixando as portas abertas.
Martinelli é consultor com mais de 30 anos de experiência no desenvolvimento de líderes em renomadas empresas