Dando sequência à série de artigos mensais sobre Diversidade, Equidade e Inclusão, chegamos à letra “E”, que representa a Equidade nos esforços de DEI
Colunista Mundo RH, Vicky Napolitano, líder de Belonging & Organisational Culture da Pismo
No primeiro artigo da série, focamos no conceito de Diversidade aplicada ao mercado do trabalho. Agora, vamos discutir a Equidade.
Usando novamente a definição do dicionário inglês Oxford, Equidade é uma situação em que todas as pessoas são tratadas de forma justa de acordo com suas necessidades.
Para deixar mais claro esse conceito e diferenciar Equidade de Igualdade, que muitas vezes são confundidas, segue uma imagem abordando Desigualdade, Igualdade, Equidade e Justiça:
Ilustração por @lunchbreath, baseada na obra “Giving Tree” de Shel Silverstein para o “Design in Tech Report 2019” de John Maeda.
Descrição da imagem: uma imagem dividade em quatro partes, ilustrando os conceitos de desigualdade, igualdade, equidade e justiça. O autor da obra faz uma analogia com a colheita de maçãs em uma árvore alta feita por duas pessoas, mostrando como o ambiente e o acesso impactam a experiência de um indivídiduo. A Desigualdade é ilustrada por uma das pessoas conseguindo fazer a colheita com sucesso graças a uma curva na árvore, enquanto a outra é impedida de fazer a colheita pela mesma curva. Em igualdade, o cenário é o mesmo, mas são dadas escadas iguais para as duas pessoas. Mesmo assim, a primeira pessoa continua se beneficiando da curva da árvore. Jà a segunda, mesmo com a escada, é impedida de fazer a colheita. Indo para Equidade, vemos que, agora, ambas as pessoas podem realizar a colheita. A primeira continua com a mesma escada e se beneficia da curva na árvora. Mas, agora, a segunda pessoa consegue uma escada maior que permite coletar maçãs, mas não tantas quanto a primeira pessoa. No último quadrante, vemos a ilustração do conceito de justiça. Ela mostra as duas pessoas fazendo a colheita de uma forma mais bem dividida e justa. A curva da árvore foi corrigida com uma estrutura de madeira e alguns cabos, fazendo com que a árvore permitisse a colheita pelas duas pessoas.
Muitas de vocês já devem ter visto essa imagem de duas pessoas colhendo maçãs de uma mesma árvore. As duas têm experiências diferentes provocadas pela natureza ou pelo sistema onde estão.
No primeiro quadrante vemos a desigualdade: as duas estão próximas mas, por questões sistêmicas, têm acessos diferentes. Então, a pessoa da esquerda consegue colher as maçãs; e a da direita, não.
No quadrante ao lado, temos a igualdade, que consiste em dar as mesmas ferramentas às duas pessoas. Mas, mesmo contando com ferramentas iguais, por elas terem acessos diferentes, uma continua conseguindo colher as maçãs; e a outra, não.
No primeiro quadrante da parte inferior, vemos a Equidade, que é dar ferramentas adequadas aos diferentes acessos. Para que ambas consigam colher as maçãs, foi preciso fornecer ferramentas desiguais a elas. Esse ponto se conecta com a definição do dicionário Oxford. Em situações que promovem a Equidade, as necessidades individuais são levadas em consideração.
No último quadrante, vemos a diferença entre equidade e justiça. Ambas fazem com que as pessoas do nosso exemplo consigam colher maçãs. Mas só a justiça consegue resolver o problema sistêmico e o de acesso. A equidade não resolve o problema sistêmico, mas fornece ferramentas para mitigar o impacto negativo da desigualdade.
Esses conceitos são muito importantes, já que estão ligados ao porquê de exister DEI e à sua relevância para TODAS as pessoas.
Como isso se conecta com DEI?
Considerando a definição de Equidade – que é um dos pilares que sustentam o trabalho de DEI no mundo corporativo – precisamos trabalhar com o entendimento coletivo de que as pessoas começam de lugares ditintos. Por isso, precisam de um olhar individualizado para suas experiências.
Uma das batalhas mais relevantes na busca da Equidade é contra a ideia de que as próprias pessoas de grupos minorizados podem acabar com a opressão estrutural e seus impactos mentais, físicos e espirituais. É uma batalha contra o conceito de meritocracia.
A palavra meritocracia tem sua origem nos conceitos gregos de merecer e força. Ela passa a ideia de que as pessoas podem alcançar quaisquer objetivos desde que se esforçem o suficiente. Quando as pessoas não alcançam seus objetivos ou estão sujeitas a situações negativas, muitas vezes atribui-se isso a uma suposta falta de força de vontade ou de perseverança, ignorando-se outros fatores.
“A ideia de meritocracia é utilizada para que um sistema social profundamente desigual pareça justo quando não o é” (Jo Litter, em Against Meritocracy: Culture, Power and Myths of Mobility).
Trabalhar em sistemas que promovem e reconhecem a meritocracia quase sempre prejudica os esforços de DEI. Como observou o professor de direito Guido Calabresi numa entrevista ao Yales Insights, ao invés de democratizar a sociedade americana, a meritocracia contribui para o aumento da desigualdade e o declínio da classe média.
O trabalho de DEI com foco em Equidade é essencialmente eliminar barreiras estruturais que resultam de inequidades históricas e atuais. Para que isso dê certo, precisamos entender as necessidades de cada grupo e como a opressão impacta os acessos e oportunidades. Criarmos, então, soluções para resolver o problema.
Os números da inequidade
A inequidade se apresenta de diversas formas e seu impacto vem sendo evidenciado por dados. Um artigo da Forbes Advisor mostra que, nos Estados Unidos, em 2022, as mulheres ganharam em média 17% menos que os homens. Os homens brancos não-hispânicos ganharam 54% mais que as mulheres latinas e 58% mais do que as mulheres negras.
Além da equiparidade salarial, fatores de empregabilidade e pobreza também mostram a inquidade. De acordo com um relatório da Comissão de Direitos Humanos e Igualdade britânica:
- Taxas de desemprego em pessoas de minorias étnicas são significativamente maiores em comparação com pessoas brancas (12.9% contra 6.3%).
- Pessoas de minorias étnicas têm mais probabilidade de viver em estado de pobreza e vulnerabilidade do que pessoas brancas (35.7% versus 17.2%).
Uma publicação da BBC Brasil destaca o impacto estrutural em parcelas específicas da população brasileira:
- Os 50% mais pobres ganham 29 vezes menos que os 10% mais ricos.
- Os 1% mais ricos possuem quase a metade da fortuna patrimonial brasileira.
Por último, dados do IBGE reforçam os impactos da opressão e do privilégio na sociedade brasileira, contribuindo para um cenário desigual. Em 2021:
- O rendimento médio dos trabalhadores brancos (R$ 3.099) superava muito o de trabalhadores pretos (R$ 1.764) e pardos (R$ 1.814).
- Mais da metade (53,8%) dos trabalhadores do país eram pretos ou pardos. Mas esses grupos, somados, ocupavam apenas 29,5% dos cargos gerenciais, enquanto os brancos ocupavam 69,0% deles.
Como equidade se conecta com o ambiente de trabalho?
Equidade é sobre promover justiça e imparcialidade. Muitas empresas ainda não entendem seu papel de responsabilidade social. Isso dificulta muito os esforços de Equidade. Todos os setores têm uma responsabilidade com as pessoas. Enquanto esse entendimento não permear as camadas tomadoras de decisões, nós continuaremos propagando a iniquidade.
Empresas possuem políticas, diretrizes e rituais. Um início do trabalho de equidade é entender o impacto institucional dos preconceitos estruturais. Quanto seu compromisso com a Equidade está presente nos posicionamentos da organização e molda os mecanismos da empresa?
Promover equidade no trabalho não é apenas colocar uma seção em um código de ética e conduta ou criar um guia de comportamento. É necessário que a gestão da mudança aconteça de forma intencional, envolvendo todas as pessoas stakeholders, e impacte as tomadas de decisões sobre pessoas.
A equidade é comumente ligada a remuneração e benefícios. Isso faz parte do trabalho, mas não é tudo. Empresas podem até ser diversas. Mas, quando não buscam a Equidade, o risco de os esforços perderem força é gigantesco. Um benefício ou oferta de trabalho contém o que é necessário para um determinado grupo ter sucesso na empresa? Afinal, é necessário ter intenção de mudança. Caso contrário, “enxugaremos gelo”, permanecendo vítimas da discriminação sistêmica.
Muitas vezes, seus desafios de Diversidade e Inclusão podem ser prejudicados pela falta de foco na Equidade. Empresas que têm dificuldade em reter e promover pessoas de grupos minorizados talvez tenham de ser mais proativas em treinamentos, além de adotar ferramentas como mentorias e apoio de pessoas patrocinadoras. Só assim conseguiremos atacar a iniquidade. Processos de avaliação de desempenho e ciclos de promoções ou reconhecimentos que não são pensados com as lentes da equidade quase invariavelmente vão favorecer certos grupos e excluir outros.
A equidade não acontece se não investirmos energia em entender as nuances, características e necessidades de cada grupo e adaptar nosso modus operandi para não excluirmos ninguém.
Como cultivar equidade nas empresas
Como outros aspectos do trabalho de DEI, a Equidade começa pela liderança. Os líderes devem promover a equidade por meio do acesso, da facilitação e da promoção de avanços de que as pessoas colaboradoras necessitam. Pessoas colaboradoras de grupos minorizados podem estar particularmente vulneráveis por razões estruturais. A chave para promover a equidade está em entender isso e alavancar a carreira dessas pessoas para que elas subam na organização.
A cultura organizacional – o famoso “é assim que fazemos as coisas aqui” – é importante na discussão sobre Equidade. As pessoas colaboradoras são influenciadas pela cultura da empresa e também a influenciam. Em essência, a cultura é sobre como as pessoas tomam decisões. Se a cultura da sua empresa inclui crenças como meritocracia, muito provavelmente, você está fazendo a manuntenção de barreiras que impedem a ascenção de pessoas que estão à margem da sociedade.
Vejamos algumas práticas que ajudam a promover a equidade:
- Tenha objetivos da empresa ligados à Equidade — Objetivos de Equidade podem assumir várias formas. É comum empresas conectarem suas metas de equidade aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aos movimentos da agenda 2030 da ONU. Exemplos: Movimento Elas Lideram e Raça É Prioridade.
- Faça análises recorrentes de quem são as pessoas que você reconhece, promova-as e dê a elas boas oportunidades — Cruzar e analisar dados é um bom começo para se trabalhar Equidade. Afinal, a falta dela quase sempre fica visível em discrepâncias nos dados. Exemplo: quem são as pessoas sendo reconhecidas? Se você observar gaps nessas análises, a saída será revisitar seus processos (ponto 4).
- Implemente um programa de educação focado em sensibilizar as pessoas colaboradoras sobre as iniquidades sociais — Uma das formas de se lutar contra vieses inconscientes que propagam a discriminação sistêmica é falar sobre isso. É uma boa prática ter um programa de conscientização sobre as questões sociais que impactam TODAS as pessoas.
- Revisite seus processos, políticas e diretrizes com um olhar de equidade — Entenda como seus fluxos internos podem estar beneficiando um grupo em detrimento de outros. Reflita sobre como esses processos, políticas e diretrizes se traduzem em ações e colete dados sobre isso.
- Garanta que seus benefícios e combinados beneficiem todas as pessoas — Nem sempre o que achamos ser positivo para um grupo é aquilo de que esse grupo precisa. Envolva as pessoas e entenda quais são as melhores práticas tanto de combinados de trabalho (alinhamentos, abordagem de trabalho etc.) quanto de benefícios corporativos.
- Meça as experiências das pessoas colaboradoras em relação à Equidade — Mesmo que você promova a Equidade e tenha processos que mitiguem os efeitos negativos e estruturais da sociedade, a percepção das pessoas colaboradoras pode ser outra. Como as pessoas colaboradoras da sua empresa se sentem quando o assunto é equidade, transparência, ética e processos internos?
- Tenha uma ferramenta que as pessoas possam usar para se posicionar caso presenciem situações contrárias às políticas, processos e diretrizes da empresa — Canais de denúncias são extremamente úteis para se fazer a manutenção do ambiente de trabalho. Conscientizar as pessoas colaboradoras sobre o uso dessas ferramentas, promover boas práticas internas e normalizar uma cultura que permita às pessoas posicionar-se sem retaliação é um passo essencial em direção à Equidade.
- Conecte a Equidade aos valores culturais de sua empresa — Garanta que você fale sobre Equidade quando apresentar os posicionamentos da empresa, especialmente os valores culturais. Esses valores devem guiar as interações das pessoas colaboradoras com elas mesmas, outras pessoas, empresas, clientes e fornecedores. Se você não deixar nítido que é esperado que as pessoas promovam a Equidade, você perderá a força que poderia ter para alavancar esse tema.
Resumão para quem não aguentou ler tudo:
- A Equidade é sobre justiça e combate à discriminação sistêmica. Deve-se trabalhar isso para buscar a Equidade no ambiente de trabalho.
- O conceito de meritocracia impacta negativamente os esforços de Equidade.
- Tudo começa pela liderança. Mas existem processos e projetos que as empresas podem adotar para mitigar os efeitos dos vieses inconscientes e do preconceito estrutural.
Pronto, agora você sabe o que é Equidade e como ela se soma ao movimento de DEI no mundo corporativo. Que tal trazer essa discussão para dentro da sua empresa?