Por Claudia Abdul Ahad Securato, advogada trabalhista, sócia do escritório Oliveira, Vale, Securato & Abdul Ahad Advogados
Recentemente, a Vara do Trabalho de 3 Corações em Minas Gerais reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora, a qual foi condenada a pagar indenização por danos morais, no valor total de R$ 200.000,00, e, ainda, indenização por danos materiais em forma de pensão mensal vitalícia.
De acordo com o entendimento do magistrado, houve responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco de o motorista trabalhar durante a pandemia do coronavírus e não comprovou a adoção de medidas de segurança e orientações sanitárias. Segundo provas nos autos, não ficou comprovado que a transportadora fornecia máscaras e álcool gel, sanitizava a cabine do caminhão, treinava seus empregados com as medidas de prevenção e ainda através de prova testemunhal comprovou-se que outros motoristas poderiam manobrar o caminhão nos pátios de carga e descarga, aumentando assim o risco de contaminação.
Essa decisão não levou em consideração que a origem do contágio do Covid-19 é difícil de ser confirmado inclusive por especialistas, que o transporte de mercadorias é classificado como atividade essencial e a empresa não tinha a prerrogativa de que seus motoristas trabalhassem de casa e ainda que a pandemia já afetou abissalmente as atividades econômicas no país. Houve recurso, que aguarda julgamento no TRT mineiro.
Pouco menos de um mês depois, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT/SP), em sentido contrário à decisão de MG, afastou uma indenização por doença profissional decorrente de culpa do empregador, no caso de uma auxiliar de enfermagem que trabalhava em hospital e foi acometida por Covid-19 um mês antes da rescisão. Os magistrados reverteram a condenação em indenização de R$ 10.000,00 por doença profissional que havia sido fixada na sentença (1º grau).
Nesse caso, o Tribunal entendeu que “não há alegação de negligência ou falha patronal no que se refere às medidas de prevenção ou no fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva, ou na orientação quanto ao seu uso”. Ressaltou, ainda, que: “tal é a capacidade de contágio do Covid-19, que, especialmente no labor em hospitais ou outros estabelecimentos de cuidado à saúde, não é possível definir a forma de infecção, salvo se o descuido for evidente, o que não foi suscitado nos autos”.
Ocorre que, conforme se denota das decisões descritas acima, ambas ocorreram quase que ao mesmo tempo e divergem completamente em seus fundamentos, o que causa insegurança jurídica e pode atrapalhar a confiança dos empregadores e, consequentemente, a retomada dos empregos no país.
É uma situação muito delicada, tendo em vista que o empregador, ao verificar tais decisões no âmbito dos tribunais trabalhistas precisa optar por manter o teletrabalho, quando possível, com suas limitações, quais sejam: dificuldade de monitoramento do horário de trabalho dos empregados; internet de qualidade; móveis que proporcionem boa ergonomia; equipamentos eletrônicos adequados; ambiente silencioso, sem distrações; rendimento do profissional em home office por ter que lidar com tarefas domésticas ou então, correr o risco de eventual contaminação de empregado ao determinar o retorno ao trabalho presencial e, eventualmente, ser condenado a pagar uma indenização, caso a contaminação seja considerada doença ocupacional na Justiça do Trabalho.
Ademais, o trabalho em home office segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aumenta ainda mais o abismo que se verifica entre os trabalhadores do Brasil e as desigualdades entre as regiões. Em novembro de 2020, 7,3 milhões de pessoas trabalhavam em casa, o resultado representava 9,1% dos 80,2 milhões de empregados brasileiros. O Distrito Federal com seu funcionalismo público tinha 20% dos trabalhadores em casa enquanto Rio de Janeiro (15,6%) e São Paulo (13,1%), estados ricos, apresentaram percentuais mais altos. Já os menores percentuais foram registrados no Pará (3,1%), no Amazonas (3,5%) e no Mato Grosso (3,8%), estados de economia agrária que foram duramente atingidos pela pandemia.
Por outro lado, existem os serviços essenciais que nunca pararam de funcionar que aqueles nos quais é impossível optar pelo teletrabalho. Para esses casos os empregadores ficam reféns da insegurança jurídica, pois além dos inúmeros prejuízos econômicos que sofreram durante a pandemia, podem ter que arcar, inesperadamente, com indenizações em valores elevados, sem que haja um fundamento previsível, ou sequer evitável.
Conclui-se, portanto, que a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo seria a mais acertada e segue a linha da maioria das outras decisões proferidas na Justiça do Trabalho, fundamentadas em raciocínio que deve prevalecer, tendo em vista também, o fato de que a Covid-19 já puniu demais os empregadores que lutam para manter seu negócio aberto e empregos ativos e são mola propulsora para retomada da economia do país.