Mesmo profissionais altamente qualificados estão sendo desligados em nome da “eficiência operacional”. A revolução da inteligência artificial exige reinvenção constante e mais estratégia humana nas decisões corporativas.
Por Fábio Cassettari, Sócio-Diretor da Career Group
Na semana passada, recebi uma mensagem de um ex-cliente que havia sido desligado após 12 anos em uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. Profissional exemplar, sempre bem avaliado e com entregas consistentes. O motivo da demissão? Uma “reestruturação estratégica”. Embora a empresa não tenha sido clara, o verdadeiro motivo por trás da decisão, sem dúvida, foi a Inteligência Artificial.
Como Sócio-Diretor da Career Group, tenho observado um padrão preocupante: as ondas de demissões nas big techs deixaram de ser eventos isolados e se tornaram uma nova realidade corporativa. Desenvolvedores juniores, gerentes experientes — ninguém parece estar verdadeiramente a salvo.
Vivemos a era da reestruturação permanente. As gigantes da tecnologia, antes sinônimos de estabilidade e crescimento contínuo, agora operam em ciclos cada vez mais curtos de contratação e desligamento. O que mudou? A corrida pela liderança em Inteligência Artificial alterou fundamentalmente a dinâmica do setor. Empresas que antes priorizavam o crescimento acelerado de suas equipes agora buscam “eficiência operacional” — um eufemismo para fazer mais com menos pessoas, apoiando-se em automação e IA.
Essa nova realidade cria um paradoxo cruel: as mesmas empresas que desenvolvem tecnologias para “melhorar a vida das pessoas” estão usando essas ferramentas para substituir seus próprios colaboradores. Para profissionais de RH e líderes, o desafio é imenso: como navegar neste cenário de transformação acelerada sem sacrificar o elemento humano que, ironicamente, continua sendo o verdadeiro motor da inovação?
📉 Demissões em massa: a realidade dos números
Os dados recentes são alarmantes. Em maio de 2025, a Microsoft anunciou a demissão de aproximadamente 6.800 funcionários — cerca de 3% de seu quadro global — como parte de uma reestruturação com foco em IA. A empresa, que ultrapassou os US$ 3 trilhões em valor de mercado, justificou os cortes como um “realinhamento estratégico” para priorizar investimentos em inteligência artificial.
Ainda mais surpreendente foi o caso da IBM, que em abril de 2025 demitiu cerca de 8.000 funcionários com o objetivo declarado de substituí-los por sistemas de IA. O desfecho? Semanas depois, a empresa precisou recontratar praticamente o mesmo número de colaboradores, ao perceber que a transição para a automação não seria tão simples quanto imaginava. Esse caso emblemático expõe a complexidade de substituir seres humanos por tecnologia, mesmo em funções aparentemente automatizáveis.
O cenário é global. Segundo levantamento da consultoria TechLayoffs, apenas nos cinco primeiros meses de 2025, mais de 35 mil profissionais de tecnologia foram desligados, com impacto significativo também no Brasil. Meta, Google e Amazon realizaram cortes expressivos, eliminando principalmente cargos gerenciais intermediários e endurecendo seus critérios de avaliação de desempenho.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em 2024, aponta que 37% dos postos de trabalho no Brasil estão expostos à inteligência artificial generativa, com maior risco para funções administrativas e de suporte — justamente as mais atingidas nas recentes ondas de demissões.
🔁 Como se preparar para o imprevisível
Diante desse cenário, algumas atitudes tornam-se essenciais — tanto para profissionais quanto para as áreas de RH:
1. Adote a mentalidade de aprendizado contínuo
Profissionais que conseguem se adaptar e aprender novas habilidades são mais resilientes às mudanças. RHs devem priorizar programas de reskilling e upskilling antes que a necessidade de demissões se torne inevitável.
2. Desenvolva competências complementares à IA
Habilidades como pensamento crítico, criatividade, inteligência emocional e resolução de problemas complexos são difíceis de automatizar. Invista no desenvolvimento dessas competências — na sua equipe e em você mesmo.
3. Prepare-se para o pior, mesmo nos melhores cenários
Mesmo profissionais de alto desempenho não estão imunes. Mantenha sua rede de contatos ativa, seu currículo atualizado e uma reserva financeira para momentos de transição. RHs podem apoiar criando programas de mentoria cruzada e networking interno.
4. Humanize os processos de desligamento
Se demissões forem inevitáveis, garanta que sejam conduzidas com transparência, empatia e suporte adequado. Programas de outplacement e apoio psicológico não são custos, mas investimentos na reputação da empresa e no bem-estar dos que permanecem.
🧠 Reinvenção como única constante
A verdade incômoda é que a estabilidade, como a conhecíamos, não existe mais no setor de tecnologia. No entanto, cada crise traz oportunidades de reinvenção. A mesma IA que elimina certas funções cria novas possibilidades e mercados.
A questão não é se haverá mudanças, mas como nos preparamos para elas. A capacidade de se reinventar — tanto para profissionais quanto para organizações — tornou-se a competência mais valiosa do século XXI.
Como estamos nos preparando para um futuro em que a única constante é a mudança?
Como podemos usar a tecnologia para potencializar o que há de mais humano em nós, em vez de simplesmente substituir pessoas?