Professora Dra. Leia Assis, Coordenadora dos Cursos de Tecnologia na Universidade São Judas
Talvez a expressão “desigualdade feminina” não represente o que, de fato, se pretende alcançar ou a luta por algo que, na verdade, já deveria ser garantido às mulheres. Não pretendemos ser iguais. O propósito é que tenhamos os mesmos acessos, oportunidades e a liberdade para fazermos nossas escolhas, com respeito às nossas individualidades e, principalmente, a compreensão de que somos donas de nossa própria vida e de nosso próprio corpo.
Há ideologias bastante difundidas e estereotipadas com relação às profissões e também influenciadas pelo perfil e associação binária de gênero. Uma separação de papéis imposta, que certamente impacta no momento das escolhas pelas áreas e, neste preocupante cenário, uma baixíssima representatividade feminina nas profissões ligadas à produção, computação, tecnologias e engenharias. Deste modo, vale ressaltar que durante a pandemia o Brasil atingiu nível de desemprego recorde, com marca de 14 milhões.
Entretanto, o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) superou a expectativa de 70 mil vagas por ano e contratou aproximadamente 69 mil profissionais, já nos primeiros quatro meses de 2021, segundo a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais) – o que reforça a importância de o país ter o dever de contribuir para a redução dos gaps – não somente de gênero – mas também concernente às etnias e realidades socioeconômicas, além da necessidade de incentivos para o encantamento e desmistificação das profissões de tecnologia e carreiras digitais.
Trata-se, portanto, de ações necessárias e emergenciais, que devem fazer parte de políticas públicas efetivas, possibilitando o acesso às profissões e às diferentes áreas do conhecimento por todos os cidadãos, além de incentivos a uma maior participação das mulheres como força de trabalho, tendo em vista o atual cenário. É importante mencionar, ademais, o número de mulheres com filhos e o impacto disso na redução da participação destas no mercado de trabalho, o que consolida a necessidade por políticas de incentivo e que priorizem o cuidado com as crianças, tais como instituições infantis e de ensino integral, por exemplo.
Maria Cecília discute sobre o direito do trabalho da mulher e suas implicações e impactos das diferenças no mercado de trabalho brasileiro. Comenta que não basta um tratamento diferenciado perante a lei ou no aspecto formal: é necessário considerar aspectos sociais, econômicos e culturais.
É ainda mais compreensível entender o que ela cita quando vemos que a lei traz a licença maternidade com total diferença à licença paternidade, assumindo previamente o papel da mulher neste contexto. Observa-se que os estereótipos heteronormativos são fortalecidos pelo senso-comum e pela mídia, e assim reproduzidos pela sociedade, perpetuando-se a ideia de que os papéis são distintos e se complementam. Tais princípios são difundidos devido a uma base religiosa e patriarcal, elementos estruturantes para as concepções e relações de gênero existentes.
A tese de doutorado de Laís Abramo aborda a inserção da mulher no mercado de trabalho como uma força de trabalho secundária. Em sua elaboração apresenta os fundamentos sobre tal hipótese: a ideia enraizada na sociedade acerca do que é o papel do homem e da mulher e a falta de divisão das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos, o que se torna um obstáculo à conquista e até mesmo à permanência plena da mulher no mercado de trabalho.
Para entender um pouco mais sobre este cenário, veja a análise de alguns pontos trazidos por meio de um estudo publicado em 2021, pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), sobre dados de gênero e indicadores sociais das mulheres no Brasil. Os resultados mostram que as mulheres brasileiras são, em média, mais instruídas que os homens. Entre a população com 25 anos ou mais, 37,1% das mulheres não tinham instrução ou possuíam apenas o ensino fundamental incompleto. Já entre os homens, esse percentual alcança 40,4%. Além disso, quando se compara a proporção de pessoas com nível superior completo, entre os homens, esse índice é 15,1%, e entre as mulheres, de 19,4%.
Mas ainda assim, quando se analisa os percentuais de força de trabalho, ou seja, pessoas que estão trabalhando ou procurando trabalho, há uma grande diferença. As mulheres representam 53,5% da força de trabalho, enquanto os homens representam 73,7%.
Outro indicador importante, trazido também por este estudo, é que a média de horas dedicadas aos cuidados com pessoas e/ou com os afazeres domésticos entre aqueles com mais de 14 anos, é bem superior entre as mulheres e este número sobe ainda mais entre aquelas que são pardas e pretas. Enquanto a média entre os homens é de 11 horas por semana, entre as mulheres, este número é de 20,7 horas, subindo para 22 horas, entre aquelas pardas e pretas.
Os números dizem bastante sobre a realidade e os diversos obstáculos e desafios ainda existentes. A ideia não é criar uma binariedade social com diferenças entre gênero, muito ao contrário, o objetivo é a igualdade de tratamento e respeito às diferenças. De nada adianta uma isonomia formal ou constitucional, quando a sociedade e a cultura impõem uma barreira ao desempenho pleno das áreas ou profissões.
O retrato da diferença salarial de gênero entre os mesmos tipos de trabalho – principalmente para os cargos de lideranças e gestão – também poderiam ser trazidos para análise, mas já que trata-se de uma consequência dos aspectos já tratados no presente artigo, não há necessidade de pormenores. Deixemos, assim, um convite, caro leitor, para uma reflexão. Qual seria a explicação para isso? Novamente, é importante enfatizar que o objetivo não é a obtenção de maiores ou melhores salários, mas melhores condições para acesso às oportunidades.
Ainda falando desta separação de papéis e consequentemente direcionamento profissional, sob perspectiva social e econômica, não poderia deixar de apresentar os dados, ainda do mesmo estudo realizado pelo IBGE, que retrata a proporção das áreas de ensino superior entre as mulheres. Apesar de estudarem mais que os homens, apresentando taxa de ensino superior maior, quando se verifica a proporção por área, há um índice incrivelmente reduzido nas áreas de conhecimento ligadas às ciências exatas e às esferas da produção.
Sendo registradas, em 2019, apenas 13,3% de mulheres matriculadas em cursos de Computação e Tecnologia da Informação e Comunicação e 21,6% em Engenharias e profissões correlatas. Por outro lado, áreas relacionadas ao bem-estar representam percentuais muito maiores e de alta predominância entre as mulheres, com participação de 88,3%. Além de outras áreas como serviços pessoais, com 77,9%, e saúde, com 73,2%.
A ideia aqui não é limitar escolhas ou comparar áreas, todas são importantes para a sociedade, para a economia e para o mundo. Porém, é importante mostrar e apresentar estes números, que não podem ser ignorados ou que nos levem, pelo menos, aos questionamentos acerca das motivações deste cenário: serão, unicamente embasados em talento?!
Mudar nossa configuração mental sobre os preconceitos e estereótipos que criamos e mantemos vivos em nossa sociedade deve ser um trabalho de todos nós. Seja através da própria educação ou através de exemplos.
O objetivo não é diferenciar o tratamento perante a lei, mas políticas públicas conectadas às demandas reais, além de práticas de valorização e incentivo ao trabalho, independentemente do gênero, com inclusão das mulheres e remoção destas restrições e barreiras existentes.
Que possamos romper com uma discussão sobre desigualdade binária de gêneros ou de outras naturezas. Que todos possam ter acesso às oportunidades, liberdade de escolha, e principalmente respeito, independente de diferenças. Afinal cada um é cada um, e todos precisamos contribuir para uma convivência e uma sociedade justa e colaborativa, com divisão harmônica de responsabilidades. Que a discussão não seja sobre desigualdade feminina, mas sim sobre a não diferenciação de gênero e sobre o respeito à diversidade.