Um ano e cinco meses depois da Reforma Trabalhista trabalhadores vivem desburocratização de um lado e precarização do outro
No segundo 1º de Maio (Dia do Trabalho) pós projeto o mercado está menos burocrático e viu os processos trabalhistas caírem vertiginosamente, por exemplo. Contudo, as novas leis não foram suficientes para gerar a quantidade de empregos que os brasileiros esperavam e tornaram mais precárias algumas formas de trabalho.
A Reforma Trabalhista foi promulgada em 11 de novembro de 2017, pelo então presidente Michel Temer. À época, a ideia era que a legislação fosse atualizada e flexibilizada. De acordo com a justificativa do Governo, as alterações adequariam o Brasil às leis mais avançadas ao redor do mundo.
Entre os impactos das novas regras está a diminuição dos processos trabalhistas. De acordo com o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o número de reclamações judiciais caiu 34% no ano passado, na comparação com 2017. Foram 1,7 milhão de reclamações em 2018, contra 2,6 milhões no ano retrasado.
A advogada trabalhista e previdenciária Tatiana Perez Fernandes, do escritório Custódio Lima Advogados Associados, explica que isso aconteceu porque de acordo com o novo texto, as custas processuais passaram a ser bancadas pelo trabalhador (para aqueles com rendimentos superiores a 40% do teto remuneratório do Regime Geral de Previdência Social).
Além disso, nessa situação o funcionário também deverá arcar com honorários periciais, quando for o caso, e honorários de sucumbência pagos ao advogado da parte contrária, caso perca algum dos pleitos da demanda.
“Apesar de desafogar os tribunais, ainda existe debate sobre isso. Essa questão do trabalhador arcar com os honorários pode ser encarada como uma violação da Constituição Federal, que trata do direito ao livre acesso ao Poder Judiciário”, cita a especialista.
Entre outros impactos da Reforma Trabalhista que podem ser lembrados nesse 1º de maio:
- Vale o que for combinado: excetuando direitos consolidados como férias, décimo terceiro, salário mínimo, limite de horas trabalhadas e etc, o resto pode ser negociado entre patrão e trabalhador. Os modelos intermitentes de trabalho, que são flexíveis e por períodos específicos, já somam mais de 50 mil em relação a todos os postos.
- Fim da contribuição sindical: antes da Reforma a contribuição era obrigatória, sendo que o trabalhador dava o salário relativo a um dia de trabalho para os sindicatos. Com a eliminação dessa obrigatoriedade, os sindicatos tiveram uma queda de 90% nas receitas. De R$ 3,6 bilhões, o valor caiu para cerca de R$ 500 milhões em 2018.
- Demissão em acordo: desde novembro de 2017 já foram pelo menos 110 mil demissões por comum acordo. Nessas situações a multa do FGTS é de 20% (anteriormente era 40%), o trabalhador cumpre metade do aviso prévio e recebe 80% do FGTS.
Complicações
Apesar das facilitações e diminuições da burocracia para contratar, o trabalhador brasileiro ainda sofre com algumas questões. A advogada Ana Paula Smidit Lima, especialista em Relações Trabalhistas, Sindicais e Gestão de Contencioso, do escritório Custódio Lima Advogados Associados, lembra que a nova legislação gerou complicações jurídicas e ainda não obteve os resultados esperados em relação a novas vagas de trabalho.
Por causa disso, em novembro do ano passado o então presidente eleito Jair Bolsonaro defendeu um aprofundamento da Reforma Trabalhista de 2017. Durante a campanha ele havia citado como medida a criação da carteira de trabalho “verde e amarela”. Ela seria uma alternativa à tradicional carteira de trabalho azul e ofereceria uma opção ainda mais flexibilizada de contratação.
Ana Paula defende que a criação da nova carteira precisaria ser debatida com a sociedade. Ela afirma que atualmente já existem questões importantes que não estão na Constituição e que a Reforma Trabalhista deixou ainda mais confusa. A especialista elenca as dificuldades vividas pelos trabalhadores depois de um ano e cinco meses de Reforma Trabalhista:
- Sindicatos tentando retornar cobrança: com o fim do imposto sindicato obrigatório, as entidades estão tentando retomar de alguma forma a cobrança. Além dos processos na Justiça, os sindicatos têm ameaçado retirar os benefícios conseguidos em acordos coletivos de quem não é afiliado. “A situação é bastante delicada. Os sindicatos necessitam de receita para poder continuar exercendo seu papel de defensor das classes por eles representadas, e tal medida é uma forma de viabilizar e sensibilizar empresas e trabalhadores a contribuírem com as entidades. Em contraponto, a Constituição Federal continua, em seu artigo 8º, estabelecendo que a representação sindical deve abranger toda a categoria”, pontua a advogada sobre isso.
- Sobrejornada: também chamada de “horas in itinere”, a sobrejornada é o tempo de deslocamento até a empresa. Esse tempo não é mais considerado um período em que o empregado está à disposição do empregador. “A legislação peca por não discorrer sobre o deslocamento em viagem de trabalho e precisaria de uma mudança clara nesse sentido, até porque o transporte público é um dos principais problemas das grandes cidades e afeta muitos trabalhadores”, defende Ana Paula.
- Desemprego e precarização: apesar de acreditar que a Reforma criaria mais de 6 milhões de empregos formais, a verdade é que houve bastante oscilação nos números de empregados e desempregados. Quando a reforma foi promulgada, a taxa de desemprego estava em 12%. Ao final de fevereiro de 2019, a taxa estava em 12,4%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Apesar de alguns setores, como o de serviços, registrarem crescimento substancial, nesse período pós Reforma cresceram bastante o número de subempregos. Ou seja, é possível dizer que houve uma precarização do trabalho no Brasil”, pontua Ana Paula.
“Além das mudanças ocasionadas pela Reforma Trabalhista, em breve, os trabalhadores terão que lidar com as novas regras da Reforma da Previdência que prevê aumento da idade mínima para se aposentar”, ressalta, ainda, a advogada previdenciária Tatiana Peres Fernandes.