O impacto da pandemia na cultura corporativa, no engajamento dos profissionais e nos desafios da liderança.
Marcello Amaro – CHRO da Portão 3 (P3), uma plataforma de gestão de pagamentos para mais de 3.000 empresas da América Latina.
Em 11 de março de 2020, o mundo entrou em um período de profundas transformações quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a Covid-19 uma pandemia. Empresas fecharam escritórios, e milhões de trabalhadores foram forçados a adotar o trabalho remoto. Cinco anos depois, os impactos dessa mudança ainda são sentidos no mundo corporativo. O que começou como um momento de maior poder para os colaboradores, marcado pela chamada “Grande Renúncia” (“The Great Resignation”), evoluiu para um cenário completamente diferente: a ascensão do “Grande Desapego” (“The Great Detachment”), caracterizado pelo declínio do engajamento e da satisfação profissional.
Nos primeiros anos após a crise sanitária, houve uma onda de pedidos de demissão voluntária, impulsionada pela busca por maior flexibilidade e melhores condições de trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, em novembro de 2021, 4,5 milhões de pessoas pediram desligamento — um recorde histórico, segundo o Bureau of Labor Statistics. No entanto, com o arrefecimento do mercado e a retomada do controle pelas empresas, o cenário mudou. O aumento da inflação, os cortes de orçamento e a obsessão corporativa pela “eficiência” criaram um ambiente onde os funcionários se sentem mais desmotivados do que nunca.
O fenômeno do “Grande Desapego” reflete uma nova crise organizacional: além de perderem a autonomia conquistada nos anos anteriores, os profissionais agora enfrentam expectativas irreais e uma carga de trabalho cada vez maior. De acordo com uma pesquisa da Gallup, o engajamento global dos funcionários caiu para 23% em 2023, revertendo avanços conquistados na última década. Um dos principais responsáveis por essa queda é o chamado “manager squeeze” — a sobrecarga dos gestores intermediários, que desempenham um papel fundamental na manutenção da cultura corporativa, mas não recebem o suporte necessário para lidar com as novas demandas.
A forma como as pessoas são gerenciadas tornou-se um fator mais crítico para o engajamento do que as próprias políticas de trabalho híbrido. No entanto, muitas empresas ainda falham em oferecer treinamentos adequados para seus líderes, tornando o ambiente de trabalho mais imprevisível e frustrante. Sem diretrizes claras e com menos recursos à disposição, esses gestores enfrentam dificuldades para manter suas equipes produtivas e motivadas, impactando diretamente os níveis de eficiência e inovação das empresas.
A ironia desse cenário é que, embora a busca por eficiência seja uma prioridade para muitas organizações, a falta de engajamento pode ter o efeito contrário. Um estudo da Harvard Business Review revela que colaboradores desmotivados são até 18% menos produtivos e 37% mais propensos a faltar ao trabalho, gerando prejuízos a longo prazo. Em um mercado cada vez mais competitivo, manter uma equipe engajada não é um luxo, mas uma necessidade estratégica para qualquer empresa que queira prosperar.
Apesar do tom preocupante, o futuro do trabalho não precisa ser distópico. Algumas empresas já perceberam que engajamento e produtividade não são conceitos opostos e têm investido em culturas organizacionais mais sustentáveis. O grande desafio para os próximos anos será encontrar um equilíbrio entre eficiência e bem-estar dos trabalhadores. Se os líderes empresariais não ajustarem suas estratégias, o “Grande Desapego” pode se tornar um problema ainda maior, comprometendo a inovação e o crescimento das organizações em escala global.