Tatiana Pimenta é empreendedora, palestrante e podcaster. CEO e fundadora da Vittude, host e idealizadora do podcast Terapeutizados
Após mais de um ano de trabalho remoto, tomada de decisões difíceis, adaptação a uma vida social sem contato físico e necessidade de administrar a ansiedade perante um futuro incerto, os profissionais estão cada vez mais perto de retornar aos escritórios.
O avanço da vacinação contra a COVID-19 no país e a consequente redução de números de casos e óbitos provocados pela doença enfim tornam esse cenário possível. Mas as condições de trabalho presencial hoje são diferentes do período pré-pandemia.
Quem trabalhava de casa normalmente optava por fazê-lo. Com as medidas de isolamento social e a quarentena, profissionais que nunca sequer pensaram em trabalhar em home office precisaram se adaptar à rotina de trabalho em casa – com filhos, cônjuges e outros familiares ao seu lado.
Diante do retorno aos escritórios, será necessário passar por outro processo de adaptação e de possível realização de mudanças. Enquanto o trabalho remoto não agradou alguns profissionais, outros se deram muito bem com ele, o que pode gerar inconstâncias na performance das equipes.
A retomada do trabalho presencial e suas peculiaridades
Segundo a pesquisa “Saúde em Foco: como estão os trabalhadores brasileiros em época de pandemia?”, feita pela Vittude e pelo Opinion Box, 26% dos respondentes sentiram uma melhora significativa em termos produtivos ao trabalhar remotamente. Por outro lado, 22% dos profissionais viram a sua criatividade cair.
Os resultados mostram que não é a maioria esmagadora que gosta de trabalhar em casa. Entretanto, tampouco grande parte desgosta disso.
O fato é que quem conseguiu criar uma rotina de trabalho eficiente em casa provavelmente terá problemas para se adaptar ao trabalho presencial novamente. Já quem não gostou de passar tanto tempo trabalhando em home office ficará feliz em retornar, mas poderá ter outros desafios.
Os fãs do trabalho remoto
Ao longo da pandemia, muitas organizações descobriram que determinadas funções podem ser executadas em casa sem maiores problemas. Profissionais cujos trabalhos estão associados à tecnologia, por exemplo, não precisam necessariamente comparecer ao escritório para trabalhar.
Colaboradores deste e de outros segmentos podem ter desenvolvido uma rotina de trabalho produtivo e confortável em casa, que ajudou-os a potencializar a criatividade, concentração e organização pessoal durante a pandemia.
A pandemia criou formas diferentes de trabalho, que podem ser estudadas pelos donos de empresa, gestores e líderes visando uma possível implantação.
Uma delas é o modelo remote first, que consiste no trabalho remoto como prioridade. Ainda assim, as empresas possuem um espaço físico ou um escritório onde outras funções são desenvolvidas. Esse modelo permite que os profissionais escolham entre trabalhar de casa ou não.
Outro modelo interessante é o remote only, utilizado principalmente por startups e pequenas empresas. O trabalho remoto é a única forma de trabalho e a empresa não possui um escritório físico. É uma tendência entre empresas dos segmentos de tecnologia e comunicação.
Ambos os modelos, bem como o trabalho presencial, são válidos. A eficiência de cada um depende muito dos objetivos e da estrutura de cada organização. De fato, muitas empresas planejam adotá-los após verificarem o seu bom funcionamento.
É preciso destacar, contudo, que os profissionais podem ter dificuldade para trabalhar com esses novos modelos mesmo quando apresentam uma preferência pelo home office.
Os fãs do trabalho presencial
Os profissionais que não se deram bem com o home office provavelmente sentirão mais conforto com a retomada do trabalho presencial. Entretanto, eles ainda precisarão se adaptar à rotina habitual do período pré-pandemia. Outro fator de importância é que a saúde mental deles pode ter sido afetada nesse tempo em casa, elevando a ansiedade e o estresse.
Dessa maneira, eles podem ter dificuldade para administrar o mal-estar emocional mesmo com o desejo de voltar a trabalhar na empresa. Afinal, nunca se viveu uma pandemia global como essa nos tempos atuais.
Para muitas pessoas, foi complicado aprender a conviver com as restrições de deslocamento e o medo da contaminação pelo coronavírus. Além disso, a perda de entes queridos impactou negativamente a saúde mental e as perspectivas de futuro de vários brasileiros.
Outra questão a ser pensada acerca do trabalho presencial são os relacionamentos interpessoais. A falta de interação social pode ter deixado as pessoas “enferrujadas”, o que proporciona mais oportunidades para conflitos e falta de sinergia nas equipes.
Uma situação que se tornou comum foi a contratação de profissionais para trabalho remoto que nunca interagiram pessoalmente com o restante da equipe. Assim, o primeiro contato entre eles na empresa e as interações cara-a-cara no dia a dia precisam ser trabalhadas pelas lideranças e pela gestão de pessoas.
A comunicação digital tem particularidades, como falta de interpretação do tom utilizado pela pessoa, interações pontuais, construção confusa de palavras nos e-mails e ausência de uma visão ampla da personalidade do profissional. Quando esses elementos são transferidos para o presencial, podem causar desentendimentos.
A saúde mental dos profissionais
A pesquisa “Saúde em Foco” também revelou que 47% das empresas não adotaram nenhum procedimento para cuidar da saúde mental de seus colaboradores durante a pandemia, o que pode implicar em maiores problemas no retorno ao ambiente da empresa.
Os profissionais podem voltar à empresa estressados, desanimados, ansiosos e temerosos, mesmo se já tiverem sido imunizados ou se a vacinação local estiver em estágios avançados. A imunização não significa retorno absoluto à vida normal uma vez que pessoas vacinadas também podem contrair a COVID-19 e transmiti-la.
É provável que a vida profissional, bem como as demais esferas de nosso cotidiano, não retorne tão cedo ao mesmo estágio que estava antes da pandemia. A atenção com a saúde provavelmente será redobrada nos meses posteriores à retomada do trabalho presencial.
É crucial pensar em como garantir um retorno tranquilo aos escritórios, aproximar profissionais que tiveram pouca interação durante a pandemia e também em como cuidar da saúde mental dos colaboradores nessa fase de transição. O objetivo é evitar os grandes picos causados por transtornos como a ansiedade, a depressão e o estresse, que poderão ser facilmente alimentados pelo medo.
CEOs de empresas, gestores e líderes devem avaliar esses pontos na preparação para a retomada do trabalho presencial. O cuidado com a saúde mental, sobretudo, deve se tornar uma prioridade uma vez que afeta tanto a produtividade dos profissionais, quanto aspectos pessoais (família, amigos, relacionamento, etc).
Ao cuidar da saúde mental, gestores e líderes perceberão uma facilidade maior para lidar com outras questões relacionadas à volta aos escritórios. Isso porque o bem-estar emocional naturalmente facilita a adaptação a novas circunstâncias, o gerenciamento de emoções e a adoção de posturas otimistas.