Estima-se que 85% dos adultos americanos com autismo e formação superior estão desempregados.
Rute Rodrigues – Diretora de Operações da Specialisterne Brasil
Ao observar o cenário atual, onde a inclusão se tornou um ideal amplamente discutido, fico me perguntando: estamos realmente prontos para acolher a diversidade em todas as suas formas? Especificamente, quando falamos sobre autismo, percebo que, apesar de avanços significativos, ainda existem barreiras invisíveis que, muitas vezes, não conseguimos ou não queremos enxergar.
Considerando a estimativa da OMS de 1% da população ter o diagnóstico de autismo, entendemos que há ao menos 2 milhões de pessoas com TEA no Brasil. Segundo fontes de pesquisas quanto a empregabilidade, aproximadamente 80% dos adultos autistas estão desempregados. A dificuldade de inserção esbarra na própria dificuldade de entendimento sobre essa condição.
Tenho pensado muito sobre como a sociedade ainda falha em compreender que o autismo não é algo a ser “curado” ou superado. Pelo contrário, é uma maneira única de existir no mundo, trazendo à tona habilidades e talentos que muitos de nós sequer imaginamos. Reconhecer isso, entretanto, é apenas o começo. O verdadeiro desafio está em criar programas de formação que realmente façam justiça a essas habilidades singulares, que não apenas as identifiquem, mas as valorizem e incentivem de maneira significativa.
Quando penso em como desenhar um programa de formação para pessoas autistas que desejam ingressar no mercado de trabalho, sinto que estamos falando de algo muito maior do que simples adaptações de currículos ou ajustes no ambiente de trabalho. É uma verdadeira revolução na forma como enxergamos o potencial humano e a produtividade. Esses programas precisam ser construídos com uma visão holística, que vá além do ensino de habilidades técnicas. Devem também incluir o apoio em habilidades sociais, a gestão sensorial, e a criação de uma rede de suporte que permita a esses indivíduos não apenas sobreviver, mas florescer.
É impossível falar de inclusão sem mencionar a personalização. Cada pessoa no espectro autista tem suas próprias histórias, desafios e forças. Acredito que um programa eficaz deve ser tão único quanto essas pessoas, oferecendo caminhos flexíveis que se moldem às suas necessidades. E isso, claro, requer um compromisso real – não só das instituições educacionais e dos empregadores, mas de todos nós, enquanto sociedade. Precisamos estar dispostos a derrubar preconceitos e estigmas que, de maneira tão insidiosa, continuam a nos prender ao passado.
As empresas, por sua vez, têm um papel crucial nesse processo. Contratar pessoas autistas não pode ser visto apenas como uma meta de diversidade a ser cumprida. Para mim, isso representa uma oportunidade de transformação – não só para essas pessoas, mas para as próprias empresas. A criação de ambientes verdadeiramente inclusivos, onde essas pessoas se sintam seguras e valorizadas, deve ser uma prioridade. E para isso, a formação contínua de líderes e equipes, para que compreendam melhor o autismo e saibam como apoiar esses profissionais, é essencial.
Há, contudo, uma outra perspectiva que raramente é discutida: a do impacto econômico. Fico fascinado ao pensar no imenso potencial que muitas pessoas autistas possuem – seja na atenção aos detalhes, no pensamento lógico ou na criatividade. Esses são talentos que, em um mundo cada vez mais movido pela inovação e eficiência, podem se tornar verdadeiras alavancas de transformação para empresas e, por que não, para a economia como um todo.
Estamos em um momento decisivo, onde nossa capacidade de acolher e nutrir a diversidade pode não só moldar o futuro de milhões de indivíduos, mas também de toda a sociedade. É um chamado para reimaginar o trabalho, para valorizar o que realmente importa, e para construir um mundo onde todos, independentemente de suas particularidades, tenham a chance de contribuir com o melhor de si.
Não estou falando apenas sobre abrir portas, mas de garantir que, uma vez abertas, todos tenham as ferramentas e o apoio necessários para atravessá-las e encontrar seu caminho. Este é o grande desafio que temos diante de nós. Mais do que isso, é uma oportunidade para criarmos um futuro mais justo, mais inovador e, acima de tudo, mais humano.