A paixão pela língua portuguesa fez uma empresária bem-sucedida se embrenhar na arte da literatura e escrever um romance. A ser publicado em maio próximo, pela Editora Gente, o livro “Milagre em Passadouro”, é de autoria de Lúcia Murad Neffa, – ou simplesmente “Xuxu’’ Neffa, como gosta de ser chamada, – herdeira e diretora da indústria de alimentos congelados, Maria Honos, uma da empresas do Grupo Neffa, tradicional corporação, com sede em Vitória, Espírito Santo, que atua nos ramos de alimentação, hotelaria e eventos.
Xuxu Neffa é descendente de uma família de libaneses que desembarcou no Brasil no início do século XX. Seus avós chegaram ao país, em 1918, atraídos por melhores condições de vida. “Naquela época era muito comum as pessoas saírem de sua terra natal para desbravar um outro país no qual julgassem que as oportunidades de crescimento fossem mais satisfatórias”, relata Xuxu. Com ajuda familiar e capital restrito no bolso, eles imigraram com o objetivo de trabalhar duro e empreender, e assim o fizeram, estabelecendo um comércio de secos e molhados no centro de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, que logo expandiu, impulsionado por uma forte e integrada comunidade libanesa.
Coube ao pai de Xuxu, Antônio Neffa Sobrinho, a primeira expansão dos negócios da família, transformando, em 1958, o pequeno armazém de secos e molhados no primeiro supermercado de Vitória. Percebendo o crescimento da cidade e a carência por hospedagem, Antônio diversificou as atividades da empresa familiar, enverando, pela primeira vez, no ramo hoteleiro, ao construir o Hotel São José, por volta de 1970. Com o sucesso dos negócios, abriu mais lojas supermercadistas, desenvolvendo a rede de supermercado São José, que chegou a ter nove unidades.
No final dos anos 1970, quando tentou uma segunda expansão dos negócios familiares, Antônio se viu obrigado a dar um passo atrás. Com capital próprio, iniciou a construção do Alice Vitória Hotel, no centro da cidade capixaba, mas por questões financeiras desfez-se de seis lojas para finalizar o empreendimento. “O país passava por mais uma de suas crises e ele se viu obrigado a arrendar as lojas para se capitalizar e conseguir arcar com o investimento no Alice Vitória, que foi um hotel de muito porte para a época”, explica Xuxu.
Como as atividades empresariais estavam cada vez mais atreladas ao segmento de eventos em razão do novo hotel, a construção do Centro de Convenções de Vitória foi uma consequência lógica. A estrutura, que foi inaugurada em 1998, e está localizada a 10 minutos do Alice Vitória, marcou o fim da ampliação dos negócios da família Neffa conduzida pelo pai de Xuxu, a essa altura já assessorado pela esposa de fibra Maria Helena Murad Neffa e sua filha Xuxu. A partir daí, uma sucessão de eventos levaram ao desmembramento da empresa até então conhecida e a um novo estágio de ampliação.
Formada em contabilidade, Xuxu trabalhou durante dois anos em uma grande multinacional da área de auditoria contábil, a Pricewaterhouse Coopers. “Esse trabalho me deu uma visão ampla de gestão de negócios, que eu pude aplicar na empresa da família”, diz ela, que logo resolveu se dedicar exclusivamente, a auxiliar seu pai a gerir os supermercados, o hotel e o centro de convenções. “Sempre tive muita vontade de levar à frente do legado familiar”, afirma.
Nos primeiros anos, Xuxu não teve um cargo na empresa, atuando em diversas frentes, desde camareira e recepcionista até no setor de Compras. “Eu percorri os meandros da empresa e a minha expertise foi conquistada”, conta. Não apenas a dela, como a de sua mãe, Maria Helena, que dividiu a mesma sala com a filha por 23 anos e estava ciente de todos os entraves por qual passava, na tentativa de fazer com que os demais sócios pródigos, não atravancassem o crescimento da empresa, com gastanças desnecessárias.
O apoio que teve de sua mãe é considerado por Xuxu o grande escudo contra práticas machistas que assolavam o grupo familiar na época. Isto porque, apesar de ter sido seu grande mentor profissional, o pai, imerso na cultura libanesa, não disfarçava o protecionismo aos demais acionistas da família, fazendo vista grossa para os erros deles. “Eu jamais tive coragem de dizer à minha mãe que os gastos estavam enormes e que a lucratividade das empresas não era mais o que havia sido, mas ela tinha sensibilidade, tanto que uma vez me disse: ‘Minha filha, eu sei aquilo pelo qual você passa, mas me espere morrer para tomar as atitudes que tem de tomar’”, conta.
Após Maria Helena falecer, Xuxu deu início as transformações drásticas que se faziam necessárias no grupo. Com a maioria das ações de que se beneficiou por herança legítima, ela assumiu o controle da empresa, almejando “reinventar, requalificar e determinar certos comportamentos internos”. Em contragolpe certeiro, Xuxu chamou os outros dois irmãos que até então não faziam parte da empresa (Marco Antônio e Flávia), para juntos, darem início a uma nova era nos negócios.
Pode-se dizer que Xuxu, Flávia e Marco Antônio juntos projetaram a empresa num curto espaço de tempo, tirando a companhia de uma inércia que pairava há décadas.
As empresas construídas pela terceira geração de irmãos e herdeiros da família Neffa entraram com mais força no ramo alimentício com a Marca Maria Honos de alimentos congelados sem adição de conservantes e sabor caseiro, isto porque, segundo Xuxu, esta é a vocação do grupo, que, trabalhando com supermercados, hotéis, plataformas, refeição coletiva e eventos, esteve envolvido desde sempre com o ramo de alimentos.
Xuxu se considera uma empresária nata, que preza pela disciplina, estabelecendo metas a cada minuto da sua vida. Foi essa força de vontade que a levou a se manter fiel aos estudos de português (análise sintática) iniciados há sete anos, para “não fazer feio” com os textos de cunho empresarial que escrevia na internet. De professor em professor, foi apresentada ao doutor da língua portuguesa em análise sintática, Carlos Laet de Oliveira, que a introduziu em um mundo de uma língua pura e sem vícios.
Esta paixão pela língua portuguesa, somada à vontade que sempre teve em expor as entranhas de uma empresa familiar, levaram-na a publicar, em 2015, seu primeiro livro, “Os Setes Pecados Empresariais”. Nele, descreve o processo de cisão societária, e traça um paralelo entre os vícios cometidos dentro de um grupo de família e os sete pecados capitais.
Se a vida para Xuxu passa pela estipulação de metas, ela perguntou-se um dia: “Qual é meta maior de uma pessoa que estuda análise sintática? Escrever um romance”. Pôs-se, então, a elaborar o livro “Milagre em Passadouro”, que conta a história de três religiosos moradores de um pequeno município desprezado pelo poder público, atrasado e pacato, que sonham em enriquecer na esteira do turismo religioso. “Eu nunca poderia me imaginar com uma autora de romance, eu quebrei paradigmas”, conclui Xuxu.