Você consegue imaginar o número de empresas afetadas por problemas de má conduta no trabalho? É uma pergunta difícil de responder, mas alguns estudos já conseguem nos dar uma boa dimensão do problema: 47% das mulheres já foram vítimas de assédio sexual no trabalho e dentre essas 1 em cada 6 chega a pedir demissão.
O número é alarmante, mas não é o único que assusta. No Brasil, 76% das pessoas negras dizem conhecer alguém que já tenha sofrido preconceito, discriminação ou alguma humilhação no trabalho por causa de sua cor ou raça.
Os problemas de comportamento estão presentes em todos os tipos de organização e em todas as esferas. Apesar do tema ainda estar cercado de tabus e estigmas, felizmente estamos vendo uma profunda mudança na forma com que as pessoas enxergam as más condutas, especialmente os casos de assédio sexual. A consciência e a vigilância em torno do que é aceitável vem aumentando, junto à disposição das vítimas de se manifestarem quando vivenciam problemas de comportamento.
Manifestar-se sobre problemas de comportamento é um desafio enorme por se tratar de algo enraizado dentro de uma estrutura sociocultural. E por mais que exista uma tendência a se pensar que algumas situações podem ser resolvidas de forma simples, na maioria das vezes isso não é verdade. Ainda existem muitos obstáculos que impedem uma pessoa de expor um episódio de assédio ou outra forma de abuso de poder que aconteceu no trabalho.
Esse silêncio, além de deixar a pessoa que está passando pelo problema ainda mais vulnerável, também representa um risco oculto enorme para as organizações.
As pessoas precisam sentir segurança em se manifestarem e apresentarem informações sobre os problemas, dando a oportunidade de resolvê-los enquanto ainda não causaram danos irreversíveis para as pessoas envolvidas, a cultura e a imagem da empresa.
A melhor forma de fazer isso ainda é por meio de canais de escuta que permitem envio anônimo.
É incontestável que o anonimato ajuda a diminuir a inibição para quem está na posição de denunciante, seja como vítima ou testemunha. Dar às pessoas a opção de permanecerem anônimas ao levantarem suas preocupações e até durante o processo de investigação ajudará a construir confiança no processo de denúncia e na estrutura de compliance da empresa como um todo.
Além disso, oferecer a possibilidade de se manifestar sem se identificar passa a importante mensagem de que resolver o problema é mais importante do que expor as pessoas envolvidas.
Muitas empresas já oferecem um canal de denúncias para a sua equipe, porém, na maioria dos casos, não é usada com a frequência que deveria. E por que isso acontece? Criar uma cultura de ética e compliance de confiança em que as pessoas colaboradoras se manifestem voluntariamente sobre problemas de má conduta não é uma tarefa simples.
É necessário entender que para assuntos tão sensíveis quanto problemas de má conduta, que podem envolver até questões criminais, as pessoas precisam criar um elo de confiança, acreditar que a empresa tem interesse em escutar e resolver seu problema. A comunicação ativa é o único caminho e a ferramenta utilizada para isso é muito importante. Não basta um simples call center.
Quanto mais cedo uma conduta hostil, uma micro violência ou um comportamento problemático é endereçado aos gestores, maiores são as chances de correção efetiva do ambiente de trabalho, responsabilização justa dos responsáveis e reparação satisfatórias das vítimas.
Na era #MeToo e #BLM, conformidade e cultura do local de trabalho estão na vanguarda da consciência pública e corporativa. Como reflexo dessa tendência, as empresas que realizarem as mudanças necessárias e agirem de forma proativa para promover um ambiente de trabalho mais justo e inclusivo, com certeza terão mais chances de preservar a sua imagem pública e reputação. E, ainda mais importante, conseguirão criar ambientes de trabalhos mais dignos e seguros para todos.
Por Rafaela Frankenthal – cofundadora da SafeSpace – plataforma para facilitar denúncias de assédio e má conduta no ambiente corporativo – e Mayra Cotta, advogada e fundadora da Bastet Compliance de Gênero.