Apontado como uma das principais causas para o transplante de córnea no mundo, o ceratocone pode ter o seu agravamento evitado por meio de tratamento adequado
O mês de junho traz um importante alerta sobre saúde ocular: a campanha global Junho Violeta (Violet June – Global Keratoconus Awareness Campaign), iniciativa brasileira que desde 2018 chama a atenção para o perigo silencioso do ceratocone, doença ocular que é uma das principais causas para a realização de transplantes de córnea no mundo. Sem o tratamento adequado para evitar a deformação da córnea, a patologia pode provocar uma perda de visão acentuada ou – em casos raros – até mesmo a cegueira total.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o ceratocone atinge cerca de 150 mil pessoas por ano no Brasil, normalmente indivíduos de 10 a 25 anos. E, embora a doença tenha componente genético, na maioria dos casos, a alergia ocular é um importante fator de risco, pois faz com que a pessoa coce o olho com frequência, o que leva ao agravamento do ceratocone, ou mesmo ao desenvolvimento da ectasia (alteração na curvatura) da córnea.
Referência mundial em saúde dos olhos, a alemã ZEISS convidou o especialista em Córnea e Cirurgia Refrativa, Dr. Renato Ambrósio, professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e idealizador da campanha Junho Violeta, para falar sobre o ceratocone, ajudando a esclarecer as principais dúvidas sobre a doença e a conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce.
Dr. Renato, o que é o ceratocone?
É uma doença que ocorre na córnea, que funciona como a primeira e mais importante lente do olho humano. A córnea cobre a parte da frente do globo ocular. Ceratocone é a doença ectásica mais comum e ocorre por uma falência biomecânica na córnea, que afina e aumenta de curvatura. Trata-se de uma doença progressiva, de modo que a irregularidade vai se acentuando até que, em fases avançadas, a córnea pode assumir formato de cone. Esta alteração causa astigmatismo com irregularidade, o que leva à distorção da visão, pois limita a eficiência das lentes tradicionais esfero-cilíndricas de óculos. O ceratocone tem início, geralmente, na adolescência e evolui até cerca de 40 anos, quando em geral ocorre uma estabilização natural. Entretanto, jovens podem ter a doença estabilizada e pacientes com mais de 40 anos podem ter progressão da doença.
Quais os sintomas da doença?
O principal sintoma é o embaçamento e distorção da visão, com mudanças frequentes do grau. Em geral, ocorre miopia e astigmatismo, que aumentam levando a uma necessidade de troca freqüente de óculos, que, com a evolução da doença, deixam de fornecer uma visão adequada devido à irregularidade. O ceratocone é tipicamente indolor e sem inflamação aguda (não deixa o olho vermelho). Coceira nos olhos é frequente, pois há grande associação com alergia ocular. O ato de coçar ou dormir fazendo pressão contra os olhos é o fator mais relevante no agravamento do grau do ceratocone. Por isso, a educação sobre o tema deve alcançar todas as pessoas.
Como o ceratocone age?
A doença é bilateral, mas geralmente atinge os dois olhos de maneira assimétrica – afetando mais um olho do que o outro. Pode levar à baixa de visão acentuada (cegueira), mas é geralmente reversível com o tratamento. Se diagnosticada e tratada corretamente em fases iniciais, o impacto na visão e consequentemente na qualidade de vida das pessoas é minimizado. Por isso, identificar corretamente o ceratocone em sua fase inicial, bem como avaliar a sua progressão são aspectos fundamentais do nosso trabalho como médicos oftalmologistas. Além disso, a falta de informação ou mesmo a desinformação sobre o assunto podem gerar ainda mais sofrimento ao paciente diagnosticado, bem como sua família. O temos da cegueira irreversível deve ser combatido com tratamento adequado, o que se inicia com a informação de forma fácil de ser entendida. Daí vem nossa campanha Junho Violeta.
Como é o tratamento?
Observam-se grandes avanços tanto no diagnóstico quanto no tratamento do ceratocone. O tratamento clínico se inicia pela orientação do paciente e inclui orientar para não coçar os olhos e o controle da alergia. Os óculos são a primeira forma de tratamento.
Exames específicos como o exame do wavefront com o iProfiler Plus da ZEISS permitem fazer uma prescrição de óculos mais eficientes. Este exame possibilita realizar medições de forma automatizada dos dois olhos em aproximadamente 60 segundos, de forma muito precisa para avaliar o grau refracional. Estes dados servem de base para a confecção de lentes ZEISS com tecnologia iScription, que podem melhorar a visão de cores e o contraste visual, além de proporcionar melhor visão noturna.
As lentes de contato especiais são indicadas para a reabilitação visual quando os óculos não são mais eficazes. Entretanto, as lentes de contato precisam ser bem adaptadas por oftalmologista especializado. Se não forem corretamente adaptadas, podem ser fator de irritação ocular que aumentar o risco de progressão da doença. Além disso, infelizmente não existe comprovação científica que as lentes ajudem a prevenir a progressão do ceratocone.
As cirurgias são indicadas em duas situações clínicas: para estabilizar a progressão da doença ou para reabilitação visual, quando os óculos ou as lentes de contato não têm resultado satisfatório. Enquanto o transplante de córnea seria a única opção até meados dos anos 1990, a introdução de cirurgias alternativas gerou uma quebra de paradigma. Destacam-se o cross-linking e implante de anel intracorneano. A indicação destes procedimentos deve ser feita de forma individualizada, de acordo com cada paciente. Entre os fatores mais importantes para decidir se a cirurgia é indicada, consideram-se o estágio da doença, o grau de irregularidade da córnea e as características de cada olho de cada paciente.
Qual o impacto da cirurgia refrativa no tratamento do ceratocone?
Este é um tem a muito relevante. Cirurgia Refrativa é uma sub (ou super) especialidade da Oftalmologia que se estabeleceu no início dos anos 1980. Devemos entender que as cirurgias de correção visual refrativa são procedimentos eletivos para oferecer satisfação visual e menor dependência de óculos ou lentes de contato.
Enquanto o ceratocone é uma relativa contraindicação para estas cirurgias e por isso deve ser identificado no exame pré-operatório, o advento das cirurgias refrativas eletivas trouxe muitos benefícios para o diagnóstico e tratamento de doenças oculares, destacando-se o ceratocone.
Além das tecnologias de diagnóstico como o wavefront ocular, a topografia e tomografia de córnea, destacam-se os lasers. Por exemplo, o VisuMax®️, laser de femtossegundo de alta precisão e velocidade para realização de procedimentos cirúrgicos na córnea. Entre as aplicações do equipamento está a confecção do túnel na córnea com alta precisão para a implantação do anel corneano (intrestromal), o que regulariza a curvatura da córnea afetada pelo ceratocone.
É possível prevenir o ceratocone?
Acredito que uma campanha eficaz para educar as pessoas para não coçarem os olhos pode reduzir o impacto e severidade desta doença na população. Mas, infelizmente, não há maneiras de prevenir o surgimento do ceratocone. Existe associação com fatores hereditários e genéticos, alguns testes genéticos surgem de forma promissora, como o AvaGen, o que requer mais estudos clínicos para entendermos como utilizar na prática clínica para o diagnóstico da doença.
Entretanto, sabemos que a progressão da doença está relacionada ao trauma contínuo e com a inflamação crônica. Com isso, o controle da alergia e evitar o hábito de coçar os olhos ganha protagonismo para evitar o aparecimento bem como o agravamento da doença. Para um diagnóstico precoce, é fundamental realizar consulta periódica com o oftalmologista, com exames complementares de acordo com a disponibilidade. Consultas periódicas são importantes para a avaliação completa da saúde ocular, indicando os tratamentos adequados eventualmente necessários.
Os slogans: “Não coce ou esfregue os olhos. Este ato prejudica a visão!” e “A falta de informação ou mesmo a desinformação podem fazer sofrer mais que a própria doença” trazem um perfeito retrato da importância de campanhas como Junho Violeta, que tem apoio da ZEISS e outras instituições, para nossa sociedade.
Saiba mais sobre a doença, causas, diagnóstico e tratamentos em http://www.violetjune.com.br/