Às vésperas do Dia do Trabalho, cresce o debate sobre os impactos da hiperconectividade na saúde e na vida pessoal dos trabalhadores.
Com a proximidade do Dia do Trabalho, é inevitável refletir sobre a trajetória de conquistas e desafios enfrentados pelos trabalhadores em busca de dignidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Quando comecei na advocacia, em 2008, era comum ouvir de colegas mais experientes que o expediente do advogado deveria incluir um momento para ler o jornal. Mais do que um hábito de atualização, isso refletia uma organização de tempo estruturada. Outra máxima, bastante presente na época, era: “não há urgência que não possa esperar 24 horas”. Era comum que clientes ouvissem: “o doutor não volta mais hoje, ele retornará amanhã”. E tudo bem. A espera fazia parte da dinâmica.
Quase duas décadas depois, o cenário mudou radicalmente. Em grandes centros urbanos, é difícil encontrar alguém que não carregue no bolso um aparelho capaz de realizar tarefas quase infinitas: chamadas, mensagens, pagamentos, fotos, arquivos, localização — tudo ao alcance de poucos toques (ou até sem eles).
A chamada Quarta Revolução Industrial trouxe para o nosso cotidiano ferramentas como inteligência artificial, robótica, Internet das Coisas e computação em nuvem. Hoje, essas tecnologias estão presentes desde o despertar até o momento de dormir. E foi justamente essa revolução que possibilitou à sociedade manter-se ativa durante a pandemia da covid-19.
O trabalho remoto, impulsionado de forma abrupta, colocou à prova as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho promovidas pela Lei 13.467/2017. Com o teletrabalho institucionalizado, computadores e celulares substituíram rapidamente o ambiente físico dos escritórios. A promessa de liberdade e flexibilidade, no entanto, revelou uma nova armadilha: a dissolução dos limites entre casa e trabalho.
Com o celular pessoal em mãos, profissionais passaram a ser acionados fora do horário de expediente. Reuniões, mensagens e demandas surgem a qualquer momento, invadindo o tempo que deveria ser dedicado ao descanso, à família e ao lazer.
A legislação trabalhista brasileira ainda não estabelece regras específicas para o contato entre empregador e empregado fora do expediente. O artigo 6º, parágrafo único, da CLT, equipara os meios digitais aos meios presenciais de comando e supervisão. No entanto, não impõe limites claros à sua utilização.
Há quem defenda que esse tipo de contato configura regime de sobreaviso, mas a jurisprudência ainda é vacilante. Em meio a esse vácuo legal, cresce o debate em torno de um conceito fundamental: o direito à desconexão.
Trata-se do direito de não receber chamadas, e-mails ou mensagens fora do horário de trabalho, em respeito à saúde, ao repouso e à convivência familiar e social. Embora reconhecido como um direito social e fundamental, ele impacta gerações de forma diferente. Um executivo de 50 anos pode se sentir sobrecarregado pelas notificações, enquanto um jovem de 20 anos pode interpretar essa conectividade como liberdade e autonomia.
Existem iniciativas para regulamentar o tema. O Projeto de Lei 4.044/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato, busca restringir o contato do empregador em períodos de descanso e férias. O texto também propõe estender o regime de sobreaviso a situações em que o trabalhador esteja submetido a controle digital, mesmo sem restrição de locomoção — uma mudança significativa no entendimento atual da jurisprudência.
O debate é urgente. As tecnologias oferecem ganhos indiscutíveis, mas também apagam as fronteiras entre o expediente e a vida pessoal. Sem regras claras, resta ao Judiciário decidir — caso a caso — sobre a proteção desse bem tão precioso: o tempo.
Arthur Felipe Martins – advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho e Direito Acidentário, mestrando em Direito do Trabalho pela PUC-SP e professor em cursos jurídicos voltados ao Direito do Trabalho e suas correlações com o Direito Previdenciário.