Especialista aponta como leis recentes, ciência e ESG posicionam o bem-estar emocional como um ativo estratégico para as empresas.
Durante muito tempo, falar sobre “felicidade no trabalho” soava como um convite ao romantismo organizacional. Mas os ventos mudaram. Hoje, estamos diante de uma convergência inédita: ciência, legislação e gestão estratégica finalmente se encontram em um mesmo ponto de inflexão. Esse ponto chama-se bem-estar corporativo sustentável.
A sanção da Lei nº 14.831/2024, que institui o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental, e a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) — que exigirá, a partir de maio de 2025, a gestão de riscos psicossociais no ambiente de trabalho — não representam apenas marcos legais. São o reconhecimento institucional de algo que a neuropsicologia organizacional e a ciência vêm dizendo há anos: trabalhadores emocionalmente saudáveis produzem mais, criam melhor, cooperam com mais empatia e permanecem por mais tempo nas organizações.
O custo da negligência
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente em decorrência de distúrbios emocionais como depressão e ansiedade — gerando perdas de cerca de US$ 1 trilhão por ano à economia global. No Brasil, o Ministério da Saúde aponta que cerca de 30% dos afastamentos por doenças ocupacionais têm origem em transtornos mentais.
Ignorar esse cenário não é mais apenas uma falha de liderança. Trata-se, agora, de um desalinhamento legal e estratégico.
Felicidade organizacional: ciência aplicada ao RH
A chamada Ciência da Felicidade — um campo interdisciplinar que une psicologia positiva, neurociência, economia comportamental e antropologia — oferece um repertório consistente de práticas para o bem-estar intencional nas empresas.
Pesquisadores como Daniel Kahneman, Martin Seligman e Sonja Lyubomirsky forneceram as bases para entender que emoções positivas frequentes, senso de pertencimento, propósito e engajamento cognitivo são essenciais para o florescimento humano.
No universo corporativo, essa ciência propõe muito mais do que ações isoladas. Ela defende uma transformação cultural genuína, na qual a felicidade dos colaboradores é tratada como um ativo estratégico mensurável, tanto quanto o ROI.
Um estudo de 10 anos publicado pela Harvard Business Review mostrou que empresas com altos índices de bem-estar cresceram três vezes mais em receita que seus concorrentes. Já dados da Gallup indicam que equipes com bem-estar elevado apresentam 31% mais produtividade e 37% mais vendas.
Felicidade como pilar do ESG
No contexto atual de pressões por práticas ESG — ambientais, sociais e de governança —, a felicidade corporativa passou de opcional a instrumento de reputação, compliance e valorização de marca.
Empresas que não estruturarem políticas consistentes de apoio emocional aos seus colaboradores estarão expostas a riscos de obsolescência ética e perda de competitividade no mercado.
O que fazer diante das novas exigências?
Com a nova NR-1, as empresas serão obrigadas a incluir em seus Programas de Gerenciamento de Riscos (PGR) fatores psicossociais como:
Excesso de cobrança
Clima organizacional tóxico
Falta de reconhecimento
Assédio moral ou violência simbólica
Sobrecarga e ausência de pausas regenerativas
Por sua vez, a Lei nº 14.831/2024 incentiva a criação de comitês internos de saúde mental, campanhas educativas, linhas de apoio psicológico e programas de capacitação de lideranças mais conscientes.
Mais do que cumprir exigências legais, trata-se de ressignificar o papel das organizações na vida das pessoas. Não é razoável imaginar ambientes produtivos onde a segurança emocional é negligenciada.
O novo luxo corporativo: bem-estar emocional
Em um cenário de instabilidade econômica, transformações tecnológicas e tensões sociais, o novo diferencial das empresas é o cuidado com o coletivo emocional. Culturas corporativas que priorizam a saúde mental estão, de fato, priorizando o ser humano.
Como sempre digo: a felicidade não é ingênua — ela é estratégica, urgente e profundamente transformadora.
Por Sandra Teschner – especialista internacional em felicidade, fundadora do Instituto Happiness do Brasil e idealizadora do Happiness Brasil Summit.