O papel vital da educação corporativa e gamificação no desenvolvimento contínuo
Elaine Resende – sócia-diretora de engajamento e gestão do Grupo Take 5
Vivemos tempos incertos, em que a sensação é de que o mundo está mudando mais rápido do que nunca. As inovações mercadológicas deram um salto e não param de surpreender, a lei de Moore, segundo a qual a capacidade dos computadores dobra a cada dois anos, está mais do que provada e até a natureza, com a acentuação das mudanças climáticas, parece andar sem paciência. Em meio a essa aceleração toda, que muitas vezes nos causa angústia e, paradoxalmente, pode até nos paralisar, uma certeza desponta como um farol de esperança neste mar agitado: a necessidade de aprender e seguir aprendendo a vida inteira.
Grandes aliadas para ajudar a colocar o tal lifelong learning em prática, as empresas já entenderam que investir em programas de educação corporativa e treinamento lançando mão de estratégias e ferramentas que facilitam o aprendizado pode ser um excelente caminho para manter as pessoas motivadas e consistentes na prática do estudo, algo vital, também, para a sobrevivência dos seus próprios negócios.
Dentre as ferramentas possíveis para colocar esta estratégia em prática está a gamificação.
O termo é um anglicismo cuja raiz provém da palavra “game”. Dessa maneira, gamificar significa levar os conceitos de jogos a âmbitos que não lhe são comuns, como é o caso da formação educacional e realização de treinamentos no âmbito corporativo. Algumas características da gamificação que caem como uma luva no universo da educação corporativa para engajar adultos no processo de aprendizagem são:
Motivação: uma das características presentes na maioria dos jogos é a competitividade, um aspecto naturalmente capaz de motivar o ser humano na conquista de um objetivo.
Superação: jogos possuem objetivos claros e específicos, algo que, impulsionado pela competitividade, incentiva as pessoas a terem um foco e superarem também a si próprias.
Rendimento: com foco em alcançar objetivos e motivadas pela competitividade e busca de autossuperação, as pessoas tendem a produzir mais resultados já que seu rendimento aumenta de forma indiscutível quando estão genuinamente envolvidas em algo.
Cooperação: é comum que jogos envolvam mecânicas que exigem a cooperação dos participantes para o alcance dos objetivos. Tal prática, além de ajudar a multiplicar os conhecimentos e habilidades dos aprendizes, é também um prato cheio para as empresas que desejam praticar atividades de “team building” ou melhorar a comunicação entre áreas.
Além disso, no que diz respeito à criação dos conteúdos de aprendizado corporativo, podem-se aplicar elementos clássicos relacionados à mecânica de jogos. São eles:
– a definição de objetivos e metas (que darão um propósito ao aprendizado e incentivarão o aprendiz a persistir e buscar se superar no processo);
– a apresentação constante de resultados (para acompanhamento da evolução no jogo-aprendizado, que deve ocorrer com transparência e confiabilidade);
– a criação de tabelas de classificação (que incentivam a competição saudável entre os participantes ao mesmo tempo em que favorecem o sentimento de comunidade e pertencimento);
– a oferta de recompensas recorrentes (pontos, medalhas, insígnias, itens específicos relacionados com o conteúdo, brindes, etc., que proporcionam um senso de progresso contínuo) e de um prêmio final para o(s) grandes vencedor(es) do jogo;
– oferta de feedback imediato sobre o desempenho do participante (o que ajudará na identificação de erros e oportunidades de melhoria, bem como na fixação do conteúdo);
– opções de personalização da experiência (que vão desde a escolha e criação de avatares com características muito particulares até a seleção de rotas de aprendizado específicas e definidas de acordo com as necessidades e comportamento dos aprendizes);
– a criação de histórias e narrativas (o famoso “storytelling”). Esta prática, na minha opinião, é a que mais justifica a posta em prática de ferramentas gamificação no ensino corporativo, uma vez que desenhar treinamentos e demais conteúdos de aprendizado fazendo uso de histórias contextualizadas com a realidade empresarial aumenta o envolvimento do público e o envolve em uma dinâmica prazerosa de aquisição de conhecimento. Vale acrescentar que, independentemente do meio pelo qual ocorrerá o jogo-treinamento (se presencial ou on-line), todos os elementos que constituem a prática do storytelling devem estar presentes no desenvolvimento do material de aprendizagem (como personagem, cenário, conflito e enredo).
Desafios na implementação
Ao implementar a gamificação nas estratégias de educação corporativa, os gestores precisam estar preparados para enfrentar alguns desafios. Entre os mais comuns, é bom considerar:
– Pode ser difícil conquistar o engajamento logo no início. Para isso, é necessário quebrar a barreira inicial e incentivar o público-alvo para ao menos iniciar a jornada. A resistência tende a diminuir à medida que a experiência com o jogo avança. Justificar a escolha da gamificação através do compartilhamento de cases de sucesso de empresas que adotaram esta ferramenta também pode ser uma boa estratégia para reduzir preconceitos ou receios.
– Investimento inicial e tempo de desenvolvimento altos. Para reduzir ambos os fatores, vale a pena investir em plataformas de ensino à distância (LMS) gamificadas e que possuam profissionais experientes no assunto.
– Falta de alinhamento com a cultura da empresa e os objetivos de aprendizagem do público-alvo. Para fazer sentido para a empresa e para o aprendiz, a escolha da gamificação como ferramenta para o desenvolvimento profissional precisa estar alinhada com a cultura da primeira e os objetivos de aprendizado do segundo. Não adianta investir em jogos se os elementos que o compõem não estiverem conectados com ambos. Como dica para garantir êxito nestes quesitos, sugiro envolver os líderes e influenciadores da organização desde o início e garantir que eles comprarão a ideia.
– Manutenção do interesse a longo prazo: Certamente, as pessoas perderão o interesse nas atividades gamificadas e o engajamento cairá se elas se tornarem repetitivas e previsíveis. Considere isso logo no seu planejamento inicial e prepare seu time e seus recursos para garantir que a incorporação de novos desafios, temas, elementos surpresa, recompensas inovadoras será uma constante ao longo da vida do seu programa de ensino corporativo.
– Avaliação da eficácia. Medir o impacto e o retorno sobre o investimento em programas de educação corporativa é essencial, mas pode ser desafiador. Com atividades de aprendizado gamificadas não seria diferente. Para isso, siga a velha (e sempre boa) cartilha SMART: estabeleça metas específicas de desempenho, meça os indicadores consistentemente ao longo do tempo (% de aderência e % de conclusões para medir o engajamento, por exemplo), seja realista com relação aos recursos de que você dispõe e à realidade empresarial, garanta que seu projeto de aprendizado por meio da gamificação esteja alinhado com os objetivos do negócio e, por fim, estabeleça um prazo para medir o ROI. Para fazer isso da forma mais profissional possível, vale a pena investir em ferramentas de Business Intelligence que embasarão suas conclusões e tomadas de decisão.
Enfim, gamificação não é um assunto novo no mundo corporativo e os seus benefícios no ensino já estão mais do que comprovados. O que mais importa, afinal, é que as empresas compreendam que é urgente a adoção de uma gama cada vez mais ampla de ferramentas para facilitar que seus colaboradores e parceiros se interessem genuinamente em continuar se aperfeiçoando ao longo da vida. Isso porque o aprendiz é quem deve estar no centro de tudo, escolhendo conteúdo e formato, já que ele é o protagonista da sua história e quem, no fim do dia, decidirá sobre o que interessa e o que faz sentido para si em sua jornada de desenvolvimento.