Suzana Tavares, especialista em sustentabilidade e cultura organizacional da Humanare
A onda de fundos de investimentos sustentáveis que ganhou força no Brasil nos últimos dois anos começa a entrar em novo grau de amadurecimento e rigor.
A partir de julho, o mercado financeiro terá que seguir regras mais duras se quiser usar o selo socioambiental e de governança (ESG) ou de investimentos sustentáveis (IS) em seus fundos e ativos financeiros – que, em princípio, valerá para as categorias de ações e de renda fixa, para depois abarcar outras classes de ativos.
A nova regulação, publicada em pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, deu prazo de seis meses para que os gestores de recursos humanos se adaptem às normas.
Entre as novidades, exige que as empresas se comprometam, por meio de um documento, a informar os critérios ESG que usam.
Ao longo das últimas décadas, precisamente desde 2005 que algumas empresas já começam a defender e se posicionar num modelo de negócio centrado nos pilares do capitalismo consciente, de usar a força dos negócios em prol do bem-estar de todos, inclusive do planeta.
O termo ESG, rotulado a partir da publicação do relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) Who Cares Wins em 2005 – uma iniciativa de 20 instituições financeiras e 9 países, incluindo o Brasil, destacava as empresas que respeitavam valores éticos e morais. A sigla ESG – Environmental, Social and Governance – ou, em português, ASG, refere-se aos pilares Ambiental, Social e Governança. Ou seja, um investimento (ou uma atividade) ESG é aquele(a) que incorpora questões ambientais, sociais e de governança como critérios na análise, indo além das tradicionais métricas econômico-financeiras e, com isso, permitindo uma avaliação das empresas de forma mais ampla, atendendo a múltiplos stakeholders.
Esta crescente percepção da necessidade de atender aos interesses das diferentes partes envolvidas num negócio, além dos acionistas, traduz o que podemos chamar de uma tomada de consciência por parte das lideranças e formação de uma cultura organizacional de impacto positivo no longo prazo.
A evolução da consciência indica uma mudança de estado, de modalidade e de caráter, é um processo de se despir de velhas estruturas e dar nascimento a novas tendências, que claramente não acontece de uma hora para outra. Precisa tomar corpo e, considerando que estamos falando de organizações, entender o compromisso e impacto de todas suas ações e se responsabilizar por eles. Como criar formas de mitigar riscos ou, até mesmo, partindo da inovação, criar soluções sustentáveis e regenerativas.
O mercado vem respondendo proativamente nos últimos anos, na medida que se posiciona de forma clara onde está investindo sua energia em todos os sentidos da palavra. E, como desdobramento natural, segue se regulando e estabelecendo critérios mais transparentes e eficazes. Porém, a integração do ESG é trabalhosa, demanda times especializados e certamente também existem custos envolvidos para abordar questões que antes não eram consideradas ao integrar os valores ESG ao processo de gestão dos ativos. Na realidade, não podemos deixar de lado todas as consequências da atuação de uma empresa. O meio ambiente não é um ator alheio ao negócio, uma externalidade como era considerado outrora.
Em sua tradicional carta direcionada aos CEO’s, Larry Fink, empresário bilionário americano e CEO da BlackRock multinacional norte-americana de gestão de investimentos, vem se posicionando de forma contundente em relação a preocupação e a responsabilização com as questões climáticas, por uma gestão por stakeholders e do quanto as empresas são responsáveis por catalisar a mudança para um futuro melhor dos indivíduos e de si mesmas, ao considerar sua resiliência no longo prazo. Reconhecer que as empresas que solucionam os maiores desafios do mundo podem estar melhor posicionadas para crescer, a isto denomina-se o termo investimento sustentável.
Investidores, que incluem desde instituições globais até pessoas físicas, estão adotando uma abordagem sustentável para perseguirem suas metas de investimento, ao aliar as três letras ESG numa coalizão entre formas tradicionais de investimento com compromissos ambientais, sociais e de governança. Estes cresceram em um ritmo acelerado nos últimos anos, e essa tendência não mostra sinais de desaceleração.
Fundos de investimento sustentável ganharam força nos últimos dois anos, inclusive no Brasil, e como consequência uma preocupação emerge por parte das instituições reguladoras ao estabelecerem novos patamares de amadurecimento e rigor. A nova regulação, publicada em janeiro/22 pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais determina que a partir de julho o mercado financeiro terá que seguir regras mais duras se quiser usar o selo socioambiental (ESG) ou de investimentos sustentáveis (IS) em seus fundos e ativos financeiros.
E o porquê desta exigência de um compromisso maior quanto aos critérios e padrões ESG por parte das empresas? Termos greenwashing e socialwashing crescem na medida que empresas que não estão convictas de um caminho de integração da sustentabilidade, mas querem se mostrar como tal. Portanto, não basta querer se posicionar como uma organização sustentável, é preciso comprovar a partir de métricas críveis e comparáveis todo seu esforço. Uma ação documentada de forma a assegurar o seu grau de compromisso.
Em relação ao pilar ambiental inclui os esforços relacionados aos impactos gerados pela organização referente as emissões dos gases de efeito estufa, poluição, biodiversidade, gestão de resíduos, energia e água. Quanto ao pilar social seu compromisso quanto à satisfação do consumidor, engajamento dos funcionários, diversidade, relação com comunidades, proteção de dados e relações de trabalho. E, por fim, no quesito governança a medida de padrões de gestão da empresa que cuida da composição do conselho de administração, estrutura dos comitês de auditoria e fiscal, processos de compliance e ouvidoria.
Integrar questões socioambientais à estratégia demanda além de uma vontade política, tempo e investimento. Uma jornada que definirá novos processos e implicará em custos não abraçados anteriormente. Para buscar soluções para esses desafios, as organizações podem contar com iniciativas globais que se formaram com o objetivo de orientar as empresas sobre como medir, avaliar e reportar os fatores ESG como, por exemplo: Avaliação de Impacto B (BIA), Sustainability Accounting Standards Board (SASB), Global Reporting Initiative (GRI), Carbon Disclosure Project (CDP) e Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD).
O rigor e as novas exigências do mercado financeiro são fundamentais e tão necessários se quisermos, inclusive, alcançar as metas da Agenda 2030, porém resta saber se a velocidade por parte das instituições na adequação às mesmas será possível.