O encerramento do desafiador 2020 parece ainda estar longe de trazer a tranquilidade desejada. A cada hora de 2021 o cenário parece se transformar. O entusiasmo pelo início da vacinação é logo revertido em apreensão quando as autoridades sanitárias falam em mutações do vírus. As ações das companhias sobem e descem no ritmo das notícias e há poucos sinais de que este cenário vai mudar no curto prazo.
Esse ambiente por si só já seria complicado para as empresas em qualquer tempo, mas no início desta nova década tudo ficou ainda mais difícil. O capitalismo mudou e agora não é mais somente a propensão a ter mais ou menos lucro que conta como atividade fim das organizações. As empresas estão sob avaliação constante dos stakeholders. Não basta mais fazer somente uma autoavaliação em termos de ASG (ambiental, social e governança), é preciso obter uma visão independente, isenta e crítica para entender onde estão os pontos críticos que levam aos riscos de imagem e elevadas perdas financeiras.
Caso contrário o resultado pode ser desde boicotes de clientes a perda de fornecedores, fuga de colaboradores e empréstimos mais caros, tudo isso acompanhando a queda das ações.
A necessidade de aumento significativo de investimentos em políticas ASG torna a governança corporativa um aspecto ainda mais crucial, pois ela desempenha um papel transversal em relação às dimensões social e ambiental. Afinal, é a governança que transforma a empresa de forma a evitar que a sustentabilidade se torne apenas marketing, mas seja um fim, de fato.
A adoção de boas práticas de governança corporativa pelas empresas proporciona melhor gerenciamento de riscos, maior transparência das informações financeiras, sistema de compliance mais robusto e maior alinhamento das diretrizes e políticas entre os stakeholders, com foco em adaptação às mudanças do macroambiente e do setor onde atuam. Esses aspectos contribuem para o aumento da confiança dos investidores e redução de risco, o que beneficia o valor da organização e sua melhor classificação de crédito.
Os investidores preferem alocar recursos em empresas com um bom sistema de governança, ao mesmo tempo em que elas são beneficiadas com maior capacidade e condições de tomada de crédito. Isso porque o capital observa os riscos do negócio, e acaba por boicotar empresas não-sustentáveis. Somente em 2019, US$ 20,6 bilhões migraram para fundos de investimento que explicitamente se desfazem de organizações tidas como “não sustentáveis”, volume dez vezes maior que o de uma década atrás. A visão é de que apoiar empresas com fortes práticas de sustentabilidade pode ser um investimento de longo prazo mais rentável.
Outra pesquisa de uma consultoria internacional revelou que o número de investidores que fazem uso de métricas não-financeiras em suas decisões aumentou de 27% para 43% entre 2016 e 2020. Apenas 9% dos investidores não usaram o desempenho não-financeiro como parte de sua tomada de decisão.
Mesmo assim, o descasamento entre o discurso de sustentabilidade ao público e as ações para implementar uma política efetiva é enorme. Entre as principais barreiras destacam-se o custo, a complexidade da análise e a falta de capacitação dos colaboradores. Tal situação amplia os riscos da gestão, pois sem bases sólidas de governança, a organização se torna um castelo de cartas. A pandemia de 2020 trouxe à tona inúmeros casos assim e as perdas de valor de mercado de algumas levaram gestores ao redor do mundo a reavaliar suas prioridades.
Companhias que zelam pelos seus consumidores, funcionários, acionistas, fornecedores e tem sólida governança, no geral, apresentam muito mais resiliência, justamente por entenderem como a complexa relação com seus stakeholders, pode se tornar mola propulsora para o sucesso e uma rede de proteção nas dificuldades.
Avaliar e qualificar o sistema de Governança Corporativa, além de identificar aspectos positivos e melhorias, permite orientar investimentos e atrair a participação de conselheiros ou membros de comitês, além de compreender como a administração está promovendo os interesses dos acionistas e das partes interessadas. O passado foi marcado por empresas falando que eram por fora, mas por dentro nada tinha mudado. Ainda há muito a ser feito porque muito foi falado. A transformação iniciada em 2020 deve se consolidar, de fato, em 2021.
Por Marcos Rodrigues e Olavo Rodrigues – sócios fundadores da BR Rating, primeira agência de classificação de risco e avaliação dos sistemas de governança corporativa do Brasil.