Desengajamento silencioso, rotatividade crescente e demissões em massa revelam um problema estrutural: a desconexão entre o que as empresas oferecem e o que os profissionais realmente buscam.
Daniela Zuccolotto – founder & CEO da Middle-us
Enquanto seu RH gasta meses recrutando um novo analista sênior, seu melhor colaborador entrega o aviso prévio sem alarde. Enquanto você prepara eventos de integração para a equipe, metade já desligou as notificações do Teams após às 18h. Enquanto se comemora a performance do trimestre, ninguém percebe que 40% já não enxergam futuro na empresa.
Nos últimos anos, o mundo do trabalho tem enfrentado uma transformação acelerada, marcada por três fenômenos interligados:
The Great Resignation (A Grande Renúncia) – onda de demissões voluntárias em massa, especialmente no período pós-pandemia;
Quiet Quitting – desengajamento silencioso, no qual funcionários cumprem apenas o mínimo exigido, sem esforço extra;
Alto Turnover – rotatividade elevada, com profissionais trocando de emprego com mais frequência.
Esses três movimentos estão profundamente conectados por representarem diferentes facetas de uma mesma insatisfação estrutural. São reações em cadeia a um sistema que, para muitos profissionais, já não faz sentido. Entenda como eles se relacionam:
Ciclo da insatisfação: do desengajamento à saída
A sequência lógica costuma seguir este fluxo:
O funcionário se desengaja (quiet quitting) →
Se a empresa não reage, ele busca oportunidades externas (alto turnover) →
Quando a insatisfação se torna sistêmica, atinge a coletividade (great resignation).
O quiet quitting é um sinal de alerta precoce, muitas vezes ignorado. Quando o colaborador percebe que seu descontentamento não é resolvido, parte para a ação: a saída. Uma pesquisa da Ernst & Young (2023), com 1.500 profissionais, mostrou que 58% dos desengajados planejavam trocar de emprego.
As causas comuns: os “3 Ds” que alimentam o problema
1. Desalinhamento de expectativas
Nos últimos anos, houve uma reavaliação coletiva sobre o papel do trabalho. Muitos profissionais passaram a priorizar flexibilidade, saúde mental e propósito. A velha lógica da dedicação incondicional e da glorificação do excesso de trabalho não combina mais com a busca por equilíbrio e bem-estar, especialmente entre as novas gerações.
Um relatório da Deloitte mostrou que 75% da geração Z prefere um emprego com flexibilidade total a outro com salário mais alto.
2. Deficiência na gestão
A insatisfação com lideranças tóxicas, a falta de reconhecimento e os modelos obsoletos de gestão têm aumentado. Para muitos, deixar o emprego tornou-se uma alternativa mais saudável do que permanecer nele.
Líderes ausentes, ausência de feedback e carreiras estagnadas levam, primeiro, à apatia (quiet quitting) e, depois, à saída. Segundo a Gallup, 70% das diferenças no engajamento entre equipes são atribuídas à qualidade dos gestores, tornando a liderança o fator mais crítico na retenção de talentos.
3. Desequilíbrio de poder
Com o aquecimento do mercado em algumas áreas, os profissionais ganharam mais poder de escolha e de barganha. Setores como tecnologia e serviços digitais viram seus talentos buscarem mudanças por melhores salários, mais autonomia e menos burocracia. Se a empresa não oferece flexibilidade, outra oferece. Se o gestor é retrógrado, há vagas com culturas mais modernas.
Conclusão: três sintomas, um único problema
Fica claro que great resignation, quiet quitting e alto turnover são diferentes estágios de um mesmo mal: a desconexão entre o que as empresas oferecem e o que os profissionais valorizam hoje.
E isso impacta profundamente os negócios: aumento de custos com recrutamento e treinamento, perda de produtividade, fragilização da cultura organizacional, enfraquecimento da marca empregadora e perda de conhecimento institucional.
A Society for Human Resource Management (SHRM) estima que o custo de substituir um funcionário pode variar de 50% a 200% do seu salário anual, dependendo do nível do cargo. Nos EUA, empresas gastam cerca de US$ 1 trilhão por ano com turnover.