A lei implementa, ainda, uma série de medidas voltadas ao controle e fiscalização das providências adotadas pelas empresas para a efetiva promoção de igualdade de gênero
Por: Aloizio Lima, Paulo Peressin, Rosana Gomes e Rafael Sorbo, respectivamente sócio, counsel e advogados da prática Trabalhista do Lefosse
Entrou em vigor no mês passado a Lei nº 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres, trazendo alterações substanciais à legislação trabalhista quanto ao tema.
De iniciativa do Poder Executivo, a lei torna obrigatória a igualdade salarial e remuneratória, vedando o pagamento de contraprestações distintas entre homens e mulheres para a realização de trabalhos de igual valor ou para o exercício das mesmas funções.
No campo prático, a legislação inseriu novas previsões ao artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que originalmente abarca os critérios a serem observados para fins de equiparação salarial. A nova norma estabelece que, em caso de discriminação salarial fundada em motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais não excluirá o direito à ação indenizatória pelo empregado ofendido, bem como para ampliar a multa por infração às disposições referentes à equiparação salarial, quando fundada em discriminação, para dez vezes o valor do novo salário devido à empregada ou empregado discriminado, dobrada em caso de reincidência.
A lei implementa, ainda, uma série de medidas voltadas ao controle e fiscalização das providências adotadas pelas empresas para a efetiva promoção de igualdade de gênero. Estabelece, no rol de obrigatoriedades a serem cumpridas, a necessidade de criação de canais específicos para denúncias de discriminação salarial. Estabelece também o dever de implementação de programas de diversidade e inclusão voltados à capacitação de gestores e líderes visando à conscientização sobre igualdade de gênero e, ainda, o fomento à capacitação e formação de mulheres para ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho, em igualdade de condições com os homens.
Outra obrigação específica se destina às empresas com mais de 100 empregados. Nestes casos, deverá, obrigatoriamente, haver publicação semestral de relatórios de transparência que permitam a aferição do grau de atingimento da igualdade salarial e remuneratória entre homens e mulheres, observado, nos moldes da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), o sigilo e proteção dos dados pessoais dos empregados.
Tais relatórios deverão, necessariamente, trazer informações anônimas do quadro de empregados das empresas obrigadas à sua publicação, com o fim de possibilitar não apenas a comparação entre salários e remunerações pagas a homens e mulheres, mas, também, tornar públicas as informações sobre o número de cargos de direção, gerência e chefia ocupados por cada gênero, além de outros dados — estes, porém, não especificados pela Lei. Os levantamentos também devem ser capazes de fornecer estatísticas sobre a existência de outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade que eventualmente existam no âmbito interno das empresas.
Nas hipóteses em que restar verificada a existência de desigualdade remuneratória e salarial, as empresas deverão, obrigatoriamente, apresentar à fiscalização do trabalho planos de ação visando a mitigação da desigualdade, com metas e prazos claros e previamente estipulados, garantida a participação de representantes dos sindicatos e de empregados na fiscalização do cumprimento das medidas propostas.
O não cumprimento da obrigação relativa à publicação dos relatórios e adoção das demais medidas dele decorrentes sujeitará as empresas ao pagamento de multas, cujo valor corresponderá a até 3% da folha de salários, limitado a 100 salários-mínimos (atualmente, R$ 132.000,00), sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
A análise das obrigações trazidas pela Lei nº 14.611/2023 revela a inegável tentativa do Poder Público de promover a redução das disparidades ainda existentes quando o assunto é a igualdade, inclusive salarial, entre gêneros.
Em consonância com as diretrizes de ESG (sigla para “Environmental, Social and Governance”), a referida lei representa, ao lado da recente Lei nº 14.457/2022 (que institui o Programa Emprega+Mulheres), verdadeira efetivação, no campo prático, da dimensão social desta nova tendência, como também das diretrizes contidas na Convenção nº 100 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta, vigente no Brasil desde 1958, orienta para a promoção de “igualdade de remuneração entre homens e mulheres por trabalho de igual valor”.
Isso não é à toa, já que as estatísticas globais de desigualdade de gênero publicadas anualmente no “Relatório Global de Disparidade de Gênero” pelo Fórum Econômico Mundial, indicaram, em 2022, que o mundo levará ao menos 132 anos para atingir a paridade total de gênero. Dentre os 146 países analisados, o Brasil ocupou a 94ª posição no ranking dos avanços verificados rumo à promoção de igualdade, indicando que as mudanças por aqui tendem a ser ainda mais lentas.
Não se pode deixar de observar, porém, o rigor trazido pela nova legislação quanto à adoção das medidas obrigatórias nela previstas.
Isto porque, para além da falta de critérios objetivos e específicos que permitam a efetiva aferição das situações que levariam à equiparação salarial entre gêneros no caso concreto – situação que certamente levará a diversos embates na esfera judicial, já que o instituto da equiparação salarial, por si só, carrega intenso grau de subjetividade, ao exigir a existência de “trabalho de igual valor” e “mesma perfeição técnica” para sua caracterização – deve-se destacar que as obrigações impostas por força da nova legislação se encontram vigentes desde o momento de sua publicação.
Isto significa dizer que, atualmente, as empresas já estão obrigadas ao cumprimento dos deveres estipulados pela nova lei, embora ainda não haja qualquer regulamentação específica sobre a matéria, a qual seja capaz de indicar, de maneira objetiva, as formas de operacionalização da publicação dos mencionados relatórios de transparência. Ou mesmo que definam, de maneira clara, quando se dará o início das atividades de fiscalização, capazes de levar à imposição de multas e aplicação de outras sanções (tais como a propositura de ações civis públicas), quando constatado descumprimento às regras da legislação. Por ora, há apenas a previsão de que “ato do Poder Executivo” instituirá protocolo de fiscalização.
Diante disto, é necessário que as empresas estejam atentas à implementação, o quanto antes, das medidas dispostas na legislação, mediante a adoção de um olhar mais atento à população feminina que integra seus quadros funcionais. Em linha com a cada vez mais exigida necessidade de implementação de boas práticas que visem a promoção de responsabilidade social, aliadas à boa governança corporativa e às diretrizes de ESG que ocupam um espaço cada vez mais decisivo no mercado global.