A pandemia do novo coronavírus tem gerado impacto em diversos setores e se há uma esfera que vem sofrendo modificações, com certeza, é a que se refere aos termos jurídicos e, legislativos. Em linhas gerais as leis são quase que diariamente remodeladas por projetos e medidas provisórias na tentativa de minimizar os efeitos negativos da Covid-19.
Entre as alterações legislativas, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – antes prevista para entrar em vigor em agosto desse ano -teve sua vigência adiada para maio de 2021 por força do art. 4 da Medida Provisória 959 de 29 de abril de 2020, da mesma forma que o art. 20 do projeto de Lei 1.179/20, sancionado pela presidência da república, alterou a entrada em vigor dos arts. 52 a 54 para agosto de 2021.
Contudo, independente da data do início de sua vigência, é necessário que haja atenção com relação à proteção de dados nos dias atuais.Isso pois a LGPD surgiu para estabelecer algumas regras no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, fundada em direitos como o da privacidade, liberdade de informação e inviolabilidade da personalidade. E, neste cenário, empresas precisarão rever seus processos organizacionais em função da necessidade de proteção das informações dos indivíduos com quem se relaciona, sejam consumidores, colaboradores e até mesmo candidatos que pleiteiam uma vaga profissional.
E neste ponto específico, os profissionais de recursos humanos precisam se atualizar sobre os preceitos trazidos na legislação e como eles se aplicam aos processos seletivos e seus participantes. Com as inovações tecnológicas, grande parte das empresas passou a digitalizar algumas frentes de atuação, como a divulgação de posições abertas, a concentração dos currículos e perfis dos candidatos e fases do processo de seleção. Até mesmo etapas tradicionalmente offline, como entrega de documentos e assinatura de contratos contam atualmente com sistemas online.
“O RH lida com um importante volume de dados sensíveis da sua população interna e de terceiros e precisa estar ciente de que as atividades de seu dia a dia estarão suscetíveis aos preceitos da LGPD”, explica o advogado Marco Aurelio Orosz, head na área de Compliance do escritório Finocchio & Ustra.
Confira abaixo quatro momentos da rotina do RH relacionados aos processos de recrutamento e seleção que podem ser impactados e que requerem algum tipo de adequação em função da lei:
Coleta de informação através do currículo
Ao departamento do RH é designada a tarefa de recrutar um colaborador que se encaixe nos requisitos da vaga. Atualmente, um grande aliado nessa atividade de entender a fundo quem é a pessoa por trás do currículo é a tecnologia, que permite a análise de dados a partir de alguns poucos insumos, como nome, email ou telefone. Diante dessas informações, em conjunto com o Departamento Jurídico, a área de Tecnologia da Informação ou de Segurança Digital, é preciso estabelecer camadas de proteção para que haja a garantia de que elas não serão utilizadas para outros fins a não ser para aquilo que o candidato se propôs: nessa situação, para uso exclusivo durante o processo seletivo.
Ficha cadastral
Após ter o currículo selecionado, é comum solicitar que os participantes preencham fichas com dados pessoais adicionais. “Diante das novas regras é preciso tomar cuidado com aquelas perguntas que expõem características personalíssimas do candidato e que não necessariamente estão relacionadas ao escopo da vaga e às exigências da função, como origem racial ou étnica, orientação sexual, religião, filiação partidária, dentre outros. Havendo justo motivo para a solicitação destas informações ao candidato, é necessário estabelecer um processo interno que garanta a segurança desses dados e uma forma de se dar clareza ao candidato sobre a finalidade garantia de guarda segura daquela informação”, acrescenta a advogada Veridiana Moreira Police, sócia e coordenadora da área trabalhista e previdenciária do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
Embora perguntas como estas tenham constado em formulários de processos seletivos por décadas, agora, para que permaneçam, deverão ser justificadas e a segurança de seu conteúdo garantida ao titular. Segundo o especialista, da mesma forma, caso não haja justificativa para o questionamento sobre determinado aspecto do candidato, o melhor é não mais questioná-lo, eliminando qualquer risco de má utilização da informação, como pelo vazamento ou perda.
Recrutamento terceirizado
A automatização do processo de recrutamento trouxe benefícios para todas as partes envolvidas em função da otimização, principalmente, do tempo dos envolvidos. Mas, é preciso cuidado na escolha do sistema parceiro para essa etapa. “Plataformas online costumeiramente figuram entre as suspeitas de pela venda e compartilhamento de dados pessoais para variados fins, como o marketing. Não raramente recebemos anúncios via e-mail, em redes sociais, mensagens no smartphone e ligações com propostas de produtos e serviços nunca antes solicitados. Assim, se o seu “trabalhe conosco” for operado por terceiros, todo cuidado é pouco na análise da idoneidade e conformidade legal da plataforma e do prestador de serviço que fará a coleta de currículos e informações pessoais de candidatos”, recomenda o head de Compliance do escritório Finocchio & Ustra.
A LGPD prevê as hipóteses em que o tratamento de dados pessoais poderá ser realizado com fins econômicos e as atividades que envolvem a busca por um novo profissional para o quadro de colaboradores certamente precisa de cautelas.
Armazenamento dos dados obtidos
Segundo Marco Orosz, as disposições da Lei Geral de Proteção de Dados não buscam inviabilizar atividades econômicas, criar controles caros e excessivos, ou limitar a interatividade da tecnologia que na maioria das vezes é bem-vinda, mas sim busca equilibrar esses dois ambientes.
“Grande parte das atividades do departamento de RH continuará a ser feita, inclusive com o auxílio da tecnologia. O que se espera, porém, é a criação ou o ajuste de processos e controles já existentes no departamento ao que a LGPD preceitua. Além do necessário envolvimento das áreas Administrativa e de Tecnologia da Informação para que garantam a segurança dos dados tratados, estejam eles em papéis, arquivados em pastas suspensas e caixas ou em bits, armazenados na nuvem”, comenta ele.
De acordo com Orosz, a data para entrada da LGPD não altera a importância da conscientização que as empresas precisam ter com relação à adequação as novas regras. Portanto, é necessário que haja a percepção pelo colaborador do RH de que suas rotinas serão impactadas pela nova norma, a começar pelo momento inicial, qual seja o recrutamento e a contratação de novos colaboradores, que encaminham um grande número de dados pessoais por meio de currículos e das fichas cadastrais.