Toda empresa é feita de pessoas que criam vínculos e se dedicam todos os dias para entregar e gerar resultados
Digite no Google “inconsistências contábeis”, logo você verá que o termo vem acompanhado de “Americanas”, e os resultados dessa busca levam às inúmeras notícias sobre o que aconteceu na primeira quinzena de janeiro de 2023 com as Lojas Americanas. Além das várias matérias que falam do rombo bilionário, também podemos encontrar muitos artigos com as opiniões de especialistas, que comentam o que ocorreu – ou deve ter ocorrido – para que a empresa tenha se destacado, infelizmente, dessa forma.
A partir desse conjunto enorme de informações que tem surgido, nota-se muito a falta de transparência, os erros e as possíveis vulnerabilidades de uma grande empresa. Assim, as pessoas começam a querer encontrar culpados e apontar os dedos, afinal, quem deixou ter passado esse problema? Aparecem críticas para a gestão (antiga e “ex-futura”), para a auditoria e para os investidores, surgem memes e piadas, e muitos números ilustram todas essas histórias – qual é a inconsistência contábil, qual é o tamanho da dívida, quanto a empresa tem em caixa, quanto os bancos perderam, entre outros.
Mas, quem fazia a empresa funcionar todos os dias e atender os clientes? Quantos colaboradores fazem parte das Lojas Americanas? São mais de 40 mil pessoas que, neste momento, praticamente não foram o foco das notícias – o quadro total era apenas mencionado para se dimensionar o porte da organização – e devem estar abaladas e negativamente surpresas com o escândalo financeiro.
Os colaboradores das Lojas Americanas trabalham em 1.800 lojas físicas e no e-commerce, fazendo parte de uma das maiores empregadoras do país. Agora, a empresa está como o quarto maior caso de recuperação judicial na história do Brasil, atrás da Odebrecht, Oi e Samarco. Como essas pessoas estão se sentindo? Provavelmente estão recebendo mais informações sobre o assunto por meios externos do que internos, não é nada confortável. Em quem ou qual lado as pessoas passam a confiar? No mínimo, passam a ficar inseguras sobre sua atuação na empresa e começam outros movimentos.
Parece que falta algo, o que seria? Tratar as pessoas como pessoas, e não como números, gastos, empecilhos ou décima prioridade. De uma forma geral, nesses casos, está faltando o cuidado com as pessoas. Num momento inicial, a crise e os números chamam muito a atenção, mas o que pode ser feito com os colaboradores? Principalmente nessas situações, torna-se muito relevante comunicar as mensagens necessárias a cada vez que uma informação sair para o mercado ou uma decisão ser tomada. Quem está dentro precisa saber antes – e ser acolhido! A transparência é outro aspecto fundamental, dessa forma todos ficam num entendimento comum. E, num momento seguinte, é importante saber como as pessoas se sentem, como elas podem receber suporte e o que acontecerá com elas. A empresa precisará tomar decisões que impactam as pessoas, e prepará-las é mais que urgente, seja para uma nova função, uma recolocação, um atendimento psicológico, uma movimentação, mostrando isso para todas as pessoas da organização.
Toda empresa é feita de pessoas que criam vínculos e se dedicam todos os dias para entregar e gerar resultados. Companhias e colaboradores trabalham juntos para que haja um desempenho superior e para que todos os stakeholders ganhem com isso: os acionistas, os clientes, os executivos, os fornecedores e, claro, os funcionários. E quando algo não dá certo, nada mais justo que compartilhar as más notícias e apoiar no que for necessário. Haveria, além de inconsistências contábeis, também inconsistências humanas nas empresas?
Lina Nakata é professora da FIA Business School especialista em recursos humanos e gestão de pessoas. Atua também como co-presidente da Professional Women Network (PWN-SP) e como diretora de relações institucionais da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração.