Já reparou alguma vez? Uma mesma frase, na boca de um líder homem, pode dar a ele a imagem de “um cara objetivo”, enquanto na liderança feminina: “mulher difícil de lidar”
Marilia Saveri é sócia da Praxis Business, consultoria especializada em modelos de negócio e desenvolvimento humano para o Franchising, Varejo & Canais de Vendas.
“Ela é mais macho do que todos os homens daqui”, escutei um colega de trabalho dizer, uma vez, na intenção de me elogiar. Quando isso aconteceu, em 2015, eu tinha 27 anos e já era responsável por uma equipe, muitos projetos e resultados para a rede de franquias em que eu trabalhava. Sempre fui grata por cada oportunidade e reconhecimento, mas sentia que precisava masculinizar minha postura para ser ouvida. Desde então, percorro essa jornada de autoconhecimento, todos os dias, porque não quero ser vista “como um homem”, mas sim como uma mulher que lidera entre os homens.
A grande questão é que todo o modelo mental que temos sobre liderança é masculino. O terreno está cheio de estereótipos e pisamos nele o tempo todo. Há quem considere as mulheres muito emotivas e brandas. Sempre fugi dessa imagem. Queria ser vista como alguém orientada para resultados e caí na outra vertente dos estereótipos, onde facilmente somos taxadas de agressivas, insistentes e mandonas. Mas não peço mais desculpas por ter uma voz.
Já reparou alguma vez? Uma mesma frase, na boca de um líder homem, pode dar a ele a imagem de “um cara objetivo”, enquanto na liderança feminina: “mulher difícil de lidar”.
Quando trabalhei como executiva naquela empresa, um dos desafios estava ligado ao fato de eu ser a única líder mulher e, ainda, a mais jovem. O que chamamos de “primeira liderança” é sempre um desafio, não é? Tive esse momento de “virada de chave” quando me tornei gerente, porque, a partir dali, não era mais só sobre meus resultados, mas sim sobre as entregas de toda uma equipe. Era preciso ser assertiva para aprovar projetos, defender nossas ideias e investimentos. E isso me deixava “na defensiva”. Hiper vigilante.
De todo modo, não dá para crescer se você não acreditar na sua força e na sua voz. É preciso que nós, mulheres, trabalhemos muito nossa autoconfiança. Temos uma tendência de subestimar nossas habilidades, caímos facilmente na “síndrome da impostora”, e muitas vezes achamos que liderança não é para nós, como se não fosse parte da nossa essência. Ela é. Mas são diversas as ameaças psicológicas, reforçadas pelo machismo estrutural enraizado na sociedade. Haja fôlego.
Aprendi que a primeira pessoa a ser liderada por mim era eu mesma. Antes de conhecer o que motiva cada integrante da equipe, precisamos ter clareza das nossas próprias motivações. Liderança é uma escolha. Requer compromissos diversos, autoconsciência para reconhecer emoções, lidar com impulsos e conflitos, desenvolver agilidade emocional e se dispor a aprender com os erros e evoluir. É um processo. E, passo a passo, comecei a refletir sobre a ciência da liderança feminina. Que tipo de líder eu seria, já que desejei esse papel? Como sair daquela “defensiva” e ser mais eu mesma?
Concluí, assim, que tentar ter uma imagem meio masculina para ter voz, era desperdiçar o meu ser mulher. Edith Stein, que foi uma importante filósofa e educadora alemã, doutora, escreveu que “a maneira peculiar de ser da mulher destina-a a uma missão sublime: desenvolver em si e nos outros a verdadeira humanidade”. Para ela, a mulher é voltada à totalidade da pessoa humana. Como se fosse próprio da natureza da mulher, buscar se desenvolver integralmente e ajudar os outros a alcançar esse pleno potencial, em sua totalidade.
Nessa perspectiva, a mulher humaniza. E o que é a liderança hoje se não a que se faz de forma humanizada? Com adaptabilidade, resiliência, colaboração. Com o conforto e a riqueza da ambiguidade, do diálogo, da diversidade. Liderança que se faz a partir do esforço de se aprimorar constantemente e de extrair de cada um o melhor que pode ser e vir a se tornar.
Mulher, confie. O que você ainda não sabe, você pode aprender. Sonhe grande!