Desafios, preconceitos e aprendizados na jornada de uma jovem liderança em um setor tradicional e predominantemente masculino.
Por Ana Luisa Nascimento de Oliveira, especialista em comunicação com foco em mobilidade urbana, vencedora dos prêmios Fundacom, Aberje e Mitsui & Co. Iniciou sua carreira como líder na área de Comunicação da SuperVia aos 24 anos e, atualmente, desenvolve pesquisas sobre inteligência artificial e segurança ferroviária nos Estados Unidos.
Ser promovida à liderança aos 24 anos foi, ao mesmo tempo, um marco de reconhecimento e o início de uma jornada repleta de desafios. Assumi um cargo estratégico em uma grande empresa de mobilidade urbana no Rio de Janeiro — a SuperVia —, em um setor historicamente masculino e conservador: o ferroviário. Ser jovem, mulher e comunicadora à frente de projetos exigiu de mim resiliência, habilidade de negociação e, principalmente, uma escuta atenta sobre os códigos e a cultura institucional.
Embora a presença de jovens em cargos de liderança tenha diminuído nos últimos anos — com surpreendentes 3,89% dos postos de direção ocupados por profissionais da geração Z em 2022, segundo levantamento da consultoria Kairós Desenvolvimento Social —, minha experiência mostra que, apesar dos inúmeros desafios, é possível superar barreiras etárias e contribuir significativamente para a transformação organizacional.
Neste artigo, compartilho aprendizados de quem liderou projetos de impacto social e visibilidade institucional desde muito jovem. Também proponho uma reflexão sobre o papel do RH na construção de ambientes em que a juventude seja vista como força transformadora — e não como elo fraco.
O peso do crachá e a leveza da inovação
Minha trajetória no mundo corporativo começou cedo. Aos 20 anos, já atuava em projetos de comunicação na SuperVia. Aos 24, fui convidada a coordenar a comunicação institucional e campanhas com foco em cultura organizacional, saúde mental, diversidade e segurança — temas que, dentro da estrutura da empresa, pertenciam ao escopo do RH. Isso tudo aconteceu durante a pandemia, e eu, mãe de um bebê de poucos meses, conciliava reuniões longas com noites sem dormir.
Lembro-me de um sábado em que trabalhei até meia-noite em uma reunião. À 1h da manhã, eu amamentava. Às 4h também. E às 7h já estava pronta para outra videoconferência. Uma sobrecarga como essa pode levar ao burnout — e leva. Mas a mulher, no universo corporativo ou não, encara diariamente barreiras como essas, ou até piores.
Sendo jovem e recém-promovida, sentia que precisava constantemente provar meu valor. Mostrar serviço, entregar resultados. Ir em frente era o único caminho possível.
Assumir a responsabilidade de ser uma gestora foi um divisor de águas. Por um lado, tive autonomia para desenvolver iniciativas premiadas nacional e internacionalmente — como o projeto Tô de Love no Trem, vencedor dos prêmios Aberje, Colunistas e Fundacom, e o Trem da Leitura, reconhecido pela Mitsui & Co., com apoio direto da área de Desenvolvimento Humano. Por outro lado, enfrentei resistências oriundas tanto da cultura da organização — controlada por uma multinacional de perfil conservador — quanto da minha própria autocrítica.
A juventude, nesse contexto, pode ser tanto um ativo quanto uma armadilha. Muitos viam em mim uma promessa, mas poucos estavam prontos para lidar com uma líder de fato. Para ser ouvida, precisei apresentar resultados consistentes — muitas vezes, acima da média. A performance era meu escudo; a criatividade, meu diferencial.
RH: aliado ou barreira silenciosa?
Ao longo da minha trajetória, observei que o setor de Recursos Humanos pode exercer um papel ambíguo na ascensão de lideranças jovens. Se bem estruturado e composto por profissionais atentos à diversidade etária, o RH é um propulsor de carreiras e equidade. Porém, em estruturas mais rígidas, pode atuar como um filtro conservador, replicando padrões ultrapassados que valorizam tempo de casa em detrimento de competências reais.
Felizmente, tive o privilégio de encontrar profissionais — tanto de comunicação quanto de RH — com mentalidade aberta, que enxergaram meu trabalho como ferramenta estratégica e viram na juventude um vetor de transformação.
Fui incentivada a buscar formação continuada, como a pós-graduação em Gestão Estratégica de Marketing com foco em supply chain e transportes, concedida pela Confederação Nacional de Transportes (CNT) na ESPM. Também tive oportunidades de representar a empresa em fóruns nacionais relevantes, como o comitê de comunicação da ANPTrilhos, no qual atuei por seis anos.
Mas tenho consciência de que nem toda jovem gestora encontra esse ambiente. Muitas enfrentam vigilância excessiva, isolamento e invisibilidade. É por isso que o RH precisa ser um agente ativo na construção de uma cultura verdadeiramente intergeracional, onde o mérito, a escuta e a abertura substituam preconceitos etários e hierárquicos.
O bônus e o ônus de ser mulher jovem no comando
Ser mulher em posição de liderança já impõe desafios significativos. Se essa mulher for jovem, esses desafios se multiplicam. Não são raros os episódios em que líderes jovens são confundidas com estagiárias ou têm suas ideias atribuídas a colegas mais velhos.
Essas experiências, embora desgastantes, nunca me abateram. Pelo contrário: serviram de combustível para desenvolver uma liderança firme, empática e detalhista. Com o tempo, aprendi que minha comunicação poderia ser mais do que uma ferramenta de convencimento — um ato político. Comunicar também é ocupar o espaço que tantas vezes nos é negado.
Por isso, sou defensora da liderança jovem com mentoria e paridade de gênero. Nenhum talento se desenvolve sozinho. Minha trajetória só foi possível porque contei com uma rede de apoio sólida, gestores com visão e um ambiente que, ainda que aos poucos, passou a valorizar a diversidade geracional.
A nova geração quer mais
Hoje, aos 31 anos, morando nos Estados Unidos e pesquisando o impacto da inteligência artificial na segurança ferroviária — um tema que une mobilidade, tecnologia e comunicação —, sigo movida pelo mesmo propósito que me guiava aos 20: usar a comunicação como ferramenta de transformação social.
A nova geração de profissionais não quer apenas reconhecimento hierárquico. Quer coerência entre valores e práticas, ambientes seguros para inovar e errar, e líderes que escutem antes de comandar.
Liderar antes dos 25 anos me ensinou que autoridade não é conferida por idade ou cargo, mas construída com escuta, confiança e entrega.
Cabe às empresas — e especialmente aos profissionais de RH — reconhecerem que o futuro da liderança já chegou. E ele é mais jovem, mais diverso e muito mais inquieto.