Cultura organizacional e vieses perpetuam comportamentos prejudiciais no ambiente corporativo.
Apesar do discurso crescente em favor de ambientes de trabalho inclusivos e saudáveis, a liderança tóxica continua sendo uma realidade alarmante para grande parte dos profissionais brasileiros. Pesquisa realizada pela Talenses Group em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou que apenas 3,6% dos trabalhadores no Brasil nunca enfrentaram comportamentos tóxicos por parte de suas lideranças. Em contrapartida, 55% afirmaram sentir-se desvalorizados ou desmotivados devido à conduta de seus superiores. Esses dados expõem um contraste preocupante: enquanto muitas empresas promovem a diversidade e o pertencimento, a prática revela um cenário de conflitos, falta de confiança e medo.
Cris Kerr, CEO e fundadora da CKZ Diversidade, explica que esse padrão remete a uma cultura ultrapassada que vê os colaboradores como meros recursos. “Durante a industrialização, lideranças cobravam produtividade sob ameaça. Hoje, essa abordagem não funciona mais. Ela parece gerar resultados apenas porque não se contabilizam os custos reais de desmotivação, estresse, absenteísmo e alta rotatividade causados por ambientes tóxicos”, afirma.
Segundo Kerr, o problema é agravado quando lideranças são promovidas exclusivamente por suas competências técnicas, sem a devida análise de seu comportamento. Nesse contexto, o cargo é percebido como uma recompensa, e não como uma responsabilidade de cuidar das pessoas e fomentar ambientes colaborativos. “Essa perpetuação de lideranças tóxicas é impulsionada por vieses cognitivos que influenciam decisões e atitudes”, pontua a especialista.
Os vieses que alimentam a toxicidade nas lideranças
Entre os vieses comportamentais mais comuns está o Efeito Dunning-Kruger, que leva algumas lideranças a superestimarem suas habilidades, ignorando opiniões e centralizando decisões. Já o chamado “viés de campeão” cria uma falsa sensação de autossuficiência, impedindo líderes de reconhecerem limitações ou valorizarem o trabalho da equipe.
“Esses vieses resultam em características comuns nas empresas, como falta de confiança, medo do contraditório, baixa aceitação de erros e desprezo pelo interesse coletivo”, destaca Kerr.
Como romper o ciclo da liderança tóxica
Para reverter esse cenário, o primeiro passo é reconhecer o problema e incorporá-lo nos critérios de avaliação de desempenho. Kerr defende que feedbacks devem considerar aspectos comportamentais, além das competências técnicas. Esse olhar deve abranger não apenas as lideranças, mas também as equipes, criando uma cultura organizacional focada em desenvolvimento humano.
“Os comportamentos tóxicos muitas vezes começam de forma sutil, como interrupções constantes, desconsideração de sugestões ou monopolização de conversas, mas podem evoluir para formas graves, como o assédio moral. Observar e intervir nesses padrões é essencial para evitar seu agravamento”, ressalta.
Capacitação emocional: a chave para novas lideranças
Outro ponto crucial é o investimento no desenvolvimento de habilidades emocionais. Kerr acredita que as gerações mais jovens já trazem uma visão mais sensível para lidar com a complexidade das relações humanas no ambiente corporativo, mas ainda há uma lacuna a ser preenchida por lideranças mais antigas. “Treinamentos focados em inteligência emocional, empatia e escuta ativa são fundamentais para preparar as lideranças do futuro”, aponta.
Repensando critérios de promoção
Por fim, é essencial rever os critérios de promoção dentro das organizações. Avaliações mais estruturadas que considerem o perfil comportamental e a capacidade de criar um ambiente de segurança psicológica podem ajudar a construir lideranças mais conscientes e humanizadas.
A transição para um ambiente corporativo saudável não é apenas uma demanda ética, mas uma necessidade estratégica para empresas que desejam prosperar em um mercado cada vez mais dinâmico e humano. Lideranças transformadoras são o caminho para ambientes de trabalho verdadeiramente inclusivos e colaborativos.