Todo ano, quando o mês de maio se aproxima, surgem em massa nos veículos reportagens, artigos, colunas sobre maternidade. Os vieses são variados: de homenagem à militância; de celebração a denúncias das pressões e opressões vividas. Particularmente, chego a este mês de maio de 2021 exercendo o novíssimo papel de mãe e executando o nem tão novo papel de empreendedora. Já são sete anos como CEO da SPUTNiK, braço B2B da Perestroika, uma das maiores escolas de metodologias criativas da América Latina.
Minha maior empreitada, no entanto, começou há dois meses: equilibrar a liderança da empresa com a chegada de Domenico, meu primogênito. Faço parte das estatísticas. Um relatório da Meia Cinco Dez comprovou o que muitas de nós já experimentamos no dia a dia: a pandemia deixou as mulheres ainda mais exaustas pela jornada contínua de trabalho, estressadas pela perspectiva da falta de dinheiro e com medo – por nós e por nossas famílias. Vivo isso na pele, mas, apesar de tudo, conto com muitos privilégios. Meu companheiro conseguiu tirar licença paternidade de seis meses, minha rede de apoio é consistente e tenho uma vida financeira confortável. Acontece que não é possível falar de opressão sem atravessar o assunto com suas interseccionalidades.
Mulheres periféricas, por exemplo, com crianças em idade escolar, tiveram desafios imensuráveis para fazer com que os filhos continuassem com o ensino, mesmo que remoto. Também não tinham com quem deixar as crianças para irem trabalhar e precisavam optar entre a tarefa do cuidado ou o salário para sustento dos seus. É o tipo de encruzilhada em que nenhuma mulher deveria se encontrar.
Recentemente, um estudo da Think Olga mostrou o valor gerado pela Economia do Cuidado. Exercemos toda a sorte de atividades importantíssimas para a sociedade, mas que não são nem valorizadas, nem remuneradas. Puxo, de lá, um deles: uma mãe que amamenta seu bebê realiza, nos primeiros seis meses do filho, um trabalho não remunerado de aproximadamente 650 horas. Acontece que essa economia – que abarca os trabalhos dedicados a cuidar das casas e das pessoas – favorece a todos. Isso quer dizer que, hoje, esferas públicas e privadas se beneficiam dessa força de trabalho que é gratuita ou mal paga.
Hildete Pereira de Melo, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, foi além: analisando o Produto Interno Bruto do Brasil entre 2001 e 2010, descobriu que o PIB aumentaria ao menos 11% em cada um dos anos analisados . E o que já era ruim ficou ainda pior. A pandemia global não só desembocou em uma crise de saúde pública, mas também exacerbou as desigualdades em curso. A maternidade é uma delas. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 65% das pessoas demitidas em função da pandemia e do isolamento eram mulheres . Para Ana Fontes, fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora, as demissões devem impactar a criação de novos negócios . A rede estima que até setembro deste ano o empreendedorismo entre mulheres cresça 25%. Quem já empreendia antes da pandemia também sentiu. Muitas mulheres tiveram de lidar com jornadas triplas – trabalho, casa, crianças – ao mesmo tempo em que encaravam a pressão de gerir seus negócios em um contexto instável.
Em meio ao caos, muitas das pequenas empreendedoras encontraram amparo em iniciativas colaborativas como o Maternativa , uma rede virtual de mães para tratar sobre questões ligadas ao trabalho e à equidade de gênero, e a plataforma Compre das Mães, que comercializa produtos criados por mulheres que maternam. Por vários momentos, no ano passado, senti que meu cargo, como empreendedora, estava em xeque. Para além das inseguranças normais de criar e sustentar um negócio, 2020 foi, talvez, o ano mais desafiador que já tenha enfrentado, com obstáculos incertos, complexos e voláteis.
Principalmente nos primeiros meses, não sabíamos se a conta ia fechar, se íamos passar três meses ou um ano em retrocesso ou, ainda, por quanto tempo conseguiríamos manter o quadro de funcionários sem reduzir salários. Foram semanas de aflição até que conseguíssemos entender o cenário e garantir o mínimo de planejamento para os meses que viriam. Deu certo, mas isso não significa que tenha sido fácil.
No olho do furação, engravidei. Na 25ª semana, veio o aviso taxativo de que deveria me afastar imediatamente do trabalho. Tive o que os médicos chamam de Síndrome do Útero Irritável e, para evitar contrações antes da hora, era necessário repouso total até o fim da gestação. Talvez essa tenha sido a primeira lição que aprendi com meu filho, Domenico: tem coisas que nenhum excel, nenhuma agenda do Google, nenhum business plan elaborado é capaz de prever. Nessas horas, precisamos aprender a navegar na volatilidade.
A verdade é que executo o papel materno há pouco tempo e certamente há mulheres mais especializadas que eu no assunto para falar sobre. Porém, daqui, do alto da minha experiência de recém-chegada a essa área, compartilho o principal aprendizado até então, na dupla função de mãe e empreendedora: a maternidade traz habilidades importantíssimas que, se valorizadas, poderiam, inclusive, transformar o universo corporativo. Sabe as soft skills tão incensadas no mercado de trabalho? As mães dominam boa parte delas. A visão sistêmica que todo líder precisa? Pergunte a uma mãe como desenvolvê-la. E a lista não pararia por aí.
O maternar não deve ser visto como empecilho ao trabalho ou ao empreender. Pelo contrário. Maternar é, por si só, um trabalho invisibilizado e que faz de nós, mulheres, mães, ainda mais preparadas para o mercado. Quando voltar da minha licença maternidade, encontrarei, seguramente, uma SPUTNiK diferente, com novos processos e outros fluxos. Minha equipe também me encontrará mudada. Essas mudanças serão aplicadas ao meu modo de atuar na empresa. Os benefícios serão irradiados para todas as direções. Não falamos tanto de relação ganha-ganha? Quem sabe seja a hora de tirá-la do papel: começando pelas mães.
Por Mari Achutti, fundadora e CEO da Sputnik