Especialistas ajudam empreendedores a entenderem as melhores ações a tomar para o colaborador e a empresa
Há quem diga que o cansaço excessivo dos trabalhadores estava ligado ao isolamento social e à carga emocional derivados da pandemia da COVID-19. Cerca de dois anos após a flexibilização das medidas de proteção sanitárias, a situação não apresentou melhorias no Brasil e no mundo.
Para se ter uma ideia, o Relatório Anual de Forças de Trabalho da Aflac, fornecedora líder de produtos e seguros de saúde suplementares nos EUA, divulgado nos últimos meses de 2022, revela que mais da metade (59%) dos trabalhadores americanos estão vivenciando níveis moderados de esgotamento, um aumento em relação a 2021, quando eram 52%.
No Brasil, uma pesquisa da empresa Gattaz Health & Results, liderada pelo psiquiatra Wagner Gattaz do IPq — USP (Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo), constatou que a incidência do burnout, de 2015 a 2022, cresceu 18% e atinge 1 a cada 5 trabalhadores.
Mesmo que a Síndrome de Burnout tenha sido reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doença ocupacional resultante de um estresse crônico no local de trabalho que não foi administrado com êxito, e mais da metade dos empregadores reconhece que os problemas de saúde mental dos funcionários atrapalham os seus negócios, apenas 60% dos empreendedores priorizam cuidados psicológicos em suas empresas, conforme o relatório da Aflac.
Entre a porcentagem que prioriza a saúde mental dos seus colaboradores está o GetNinjas, maior aplicativo para contratação de serviços do Brasil. A companhia adotou ações internas prezando o bem-estar emocional de seus colaboradores. A iniciativa, denominada de Janeiro Branco, originou-se da ideia de preservar a saúde mental não apenas em trinta dias, mas ao longo do ano. Workshops online sobre gestão de conflitos e autoconfiança, além de kits com itens de autocuidado que incluem, kits de escalda pés, caixas de som à prova d’água e playlists com músicas para relaxar, foram disponibilizados pelo time de Pessoas & Cultura da empresa.
Uma ação experimental de psicologia é oferecida aos colaboradores e familiares, para incentivar a prática da terapia. Além destas práticas internas do mês de janeiro, outras ativações ocorrem no ano. Intitulada como GetWell, os colaboradores têm acesso a aulas online de meditação, interações gastronômicas, além de consultoria financeira. A ação implantada desde o período pandêmico, teve continuidade atuando com o propósito do bem-estar mental e físico do funcionário.
Entretanto, o que fazer quando um colaborador é diagnosticado com burnout?
Se um funcionário é diagnosticado com burnout, o primeiro passo é olhar para dentro da empresa e “entender quais falhas no processo estão desencadeando o estresse crônico do funcionário”, afirma Renan Conde, diretor Américas da Factorial. O executivo ainda diz que “a empresa precisa assumir a culpa e acolher esse funcionário, prestar apoio, mas seguir firme em identificar as lacunas do dia a dia. Isso porque, mesmo que o funcionário passe um tempo em recuperação e afastado da organização, no seu retorno o cenário será o mesmo, e possivelmente levará à demissão. Além disso, outros colaboradores estão sujeitos a desencadear a síndrome também”, completa Renan.
Essa insatisfação é confirmada pelo relatório de bem-estar 2022 da Betterfly, plataforma de benefícios corporativos, divulgado no começo de janeiro, evidenciando que 54% dos trabalhadores relatam sentir exaustão, 50% afirmam sobrecarga de trabalho.
Para Abel Pinto, psicólogo cadastrado no GetNinjas, diante de um caso de burnout, a empresa deve oferecer todo o suporte, tanto físico quanto mental. “O ideal é que o indivíduo seja acolhido no retorno ao ambiente de trabalho, sem julgamentos por parte dos colegas ou gestores, ou seja, que tenha uma recepção que valorize o lado humano, sem sobrecarga e com a retomada gradativa das responsabilidades”, recomenda Abel. “Que a empresa possa engajar o colaborador, equilibrando os objetivos do negócio e as aspirações do indivíduo”.
O engajamento também é citado por Marcos Thiele, sócio da Adigo e especialista em cultura organizacional, como uma forma de evitar o burnout. “A explicitação de práticas desumanas em um número crescente nas companhias deve provocar reflexão e ajuste. Isso gera consciência para a necessidade e relevância de um modelo pautado pela confiança e autonomia. As pessoas podem atuar de forma naturalmente engajada, não por conta de metas e controles, mas por sentir e ter construído um propósito”, comenta.
Para Marcos, o burnout é um sintoma do esgotamento de um modelo econômico que tem como instrumento de execução a administração do trabalho tradicional. A vigilância obsessiva tem um papel estruturante neste contexto de aumento da pressão por (algum tipo de) desempenho, cobrança por entregas cada vez mais rápidas, carência de sentido maior, que acabam por levar à acelerada redução do trabalho a uma ação estritamente transacional, em que a vinculação do colaborador com a organização se torna débil, pois reside apenas na segurança econômica.