Entre conquistas e desafios, é hora de refletir se a presença feminina no topo representa uma verdadeira transformação ou apenas a repetição de velhos modelos de poder.
Por Viviane Gago, advogada e consteladora pelo Instituto de Psiquiatria da USP (IPq/USP
No dia 8 de março, celebramos mais um Dia Internacional da Mulher — uma data de reflexão, conquistas e, principalmente, de questionamentos sobre o futuro.
Uma das perguntas que me vêm à mente é: quando alcançarmos um número expressivo de mulheres nas posições mais altas do mercado de trabalho, seja no setor público ou privado, seremos capazes de promover mudanças reais, pautadas na sabedoria, no bom senso e em impactos verdadeiramente positivos? Ou apenas repetiremos padrões já estabelecidos, que historicamente têm perpetuado problemas e desigualdades?
Sabemos que, muitas vezes, para ascender profissionalmente, mulheres adotam comportamentos considerados “masculinos”, reprimindo características inatas — como acolhimento, sensibilidade, intuição, empatia e capacidade de conexão. No entanto, essas qualidades são essenciais para a construção de ambientes de trabalho mais equilibrados e produtivos.
Mais do que uma disputa entre gêneros pelo topo, acredito que a verdadeira questão reside no desejo e na capacidade de cada indivíduo — independentemente de gênero ou raça — de se conhecer, se desenvolver e aplicar princípios e valores mais nobres e eficazes em sua jornada profissional. Isso inclui compartilhar conhecimento, em vez de fomentar uma competitividade tóxica; valorizar os outros, em vez de priorizar a autopromoção; comunicar-se com respeito, em vez de perpetuar assédio e rivalidade — entre outros valores fundamentais.
Ao longo da carreira, muitas mulheres atravessam diferentes fases. No início, podem sentir a necessidade de “masculinizar” seus comportamentos para sobreviver. Depois, algumas se tornam feministas fervorosas, engajadas em movimentos que, embora válidos, nem sempre oferecem soluções efetivas para o alcance da equidade. É um processo de amadurecimento até que, finalmente, compreendemos que a mudança não está apenas no enfrentamento do mundo externo, mas também na capacidade de cada pessoa de reconhecer seu próprio valor e contribuir genuinamente para o coletivo.
A reflexão que proponho é esta: antes de olharmos para fora e identificarmos “inimigos” externos, precisamos nos reconhecer, nos empoderar e compreender a imensa força que já possuímos. Precisamos deixar para trás síndromes como a da impostora e a crença de que somos insuficientes ou que devemos carregar todas as dores do mundo.
Outro ponto crucial é a necessidade de quem está no poder — majoritariamente homens brancos — reconhecer o valor da diversidade e abrir espaço para mulheres e outros grupos. Mas, para que isso aconteça, é essencial compreendermos o contexto histórico: durante séculos, os homens foram para o mercado, enquanto as mulheres permaneceram no ambiente doméstico. Essa divisão estruturou a sociedade e explica por que, hoje, muitos homens ocupam posições tradicionalmente femininas — como chefs, estilistas e profissionais da beleza — enquanto as mulheres ainda lutam para se firmar em cargos de liderança empresarial.
A inserção feminina no mercado de trabalho em grande escala ocorreu apenas no pós-guerra. O patriarcado ainda é uma realidade profundamente enraizada e, muitas vezes, não precisamos nem dos homens para reforçá-lo: nós mesmas, mulheres, objetificamos e competimos umas com as outras.
Queremos acreditar que avançamos significativamente, mas a realidade mostra o contrário: a violência contra a mulher persiste, os estereótipos do passado ainda nos perseguem e, mesmo entre as novas gerações, preconceitos continuam a ser perpetuados.
Embora pesquisas indiquem avanços — como o estudo da Bain & Company, que aponta que o número de mulheres CEOs dobrou nos últimos cinco anos (de 3% em 2019 para 6% em 2024) — ainda estamos muito longe da equidade. Além disso, um estudo da McKinsey & Company mostrou que empresas com mais mulheres em cargos de liderança têm maior probabilidade de superar seus pares em termos de lucratividade, reforçando a importância da diversidade nos negócios.
Outro aspecto relevante é que, enquanto muitos homens são movidos por status, dinheiro e poder, nós, mulheres, temos outros interesses além da carreira. Buscamos equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o que impacta diretamente nossas trajetórias no mercado. Para muitas de nós, a carreira é uma parte da vida — e não sua totalidade. E isso traz consequências.
Por fim, é essencial destacar que a pressão social sobre a mulher não se restringe ao mercado de trabalho. Um estudo recente da Universidade de York, em Toronto, revelou que a constante exposição a imagens de “corpos perfeitos” nas redes sociais pode prejudicar a autoestima de jovens mulheres. A pesquisa, publicada no periódico científico Science Direct, destaca como uma simples pausa no uso dessas plataformas pode trazer benefícios significativos para a saúde mental.
O verdadeiro desafio é que aqueles que chegam ao topo — sejam homens ou mulheres — tenham a responsabilidade de liderar de maneira diferente, promovendo impactos positivos não apenas para si, mas para o coletivo. A mudança só ocorrerá se houver uma liderança baseada na construção e na cocriação a diferentes mãos, e não apenas na perpetuação de estruturas ultrapassadas.
As diferenças entre nós devem ser vistas como um trunfo para alcançar melhores resultados. Torço para que, cada vez mais, possamos enxergar e valorizar isso.
Como disse Clarice Lispector: “Cada pessoa é um mundo”. Que possamos aproveitar essa diversidade para construir um futuro mais justo e equilibrado.