A geração Z chega com habilidades digitais, mas carece de orientação prática no mundo corporativo — e a liderança precisa retomar seu papel formador com urgência.
Valéria Oliveira – especialista em desenvolvimento de líderes e gestão da cultura.
Na teoria, eles já chegam prontos. Nascidos e criados com smartphones na mão, acostumados a aprender por conta própria no YouTube, treinados para navegar entre múltiplas abas e aplicativos ao mesmo tempo. É fácil, para muitos líderes, assumir que esses jovens já sabem tudo o que precisam para performar no mercado de trabalho atual. Afinal, eles são nativos digitais, certo?
Mas é justamente aí que mora o equívoco.
Na semana passada, em conversa com um grupo de líderes, esse tema emergiu com força: o quanto estamos projetando sobre essa nova geração uma maturidade que ela ainda não teve tempo — nem espaço — para desenvolver. O jovem que entra hoje no mercado tem, sim, familiaridade com ferramentas digitais. Mas isso não significa que saiba aplicá-las em um contexto profissional.
Saber editar um vídeo para o TikTok é bem diferente de construir uma apresentação executiva que sustente uma tomada de decisão. Saber se virar sozinho no Google não significa que ele saberá lidar com problemas ambíguos, pressão de prazos, conflitos de equipe ou exigências de clientes.
Existe uma lacuna entre o que esses jovens trazem e o que o mercado exige. E quem deveria ajudar a preencher esse espaço — a liderança — muitas vezes se omite.
O discurso da “autonomia” tem sido usado como desculpa para a ausência de direcionamento. A liderança transfere responsabilidade, mas não oferece repertório. Espera-se iniciativa, mas não se oferece acolhimento. Cobra-se resultados, mas não se ensina o caminho. E o jovem, diante desse cenário, se frustra, se sente inadequado, desiste.
O índice de turnover entre profissionais de 18 a 24 anos é o mais alto do mercado, segundo levantamento do Infojobs (2023). Grande parte disso pode ser explicada por esse desalinhamento entre expectativa e realidade.
Ainda segundo uma pesquisa da IA Pearl, a geração Z é a mais propensa a depender da Inteligência Artificial no trabalho. De acordo com o estudo, 41% desses jovens confiam mais na IA do que em humanos como mentores. Ou seja, o desejo de ser guiado existe — mas o espaço para isso nem sempre está disponível.
É preciso resgatar o papel educativo da liderança. E não estamos falando de paternalismo ou microgestão. Estamos falando de formar. De ensinar como pensar, como estruturar, como decidir, como se portar. De traduzir a cultura da empresa. De explicar o jogo.
Por algum motivo, fomos perdendo isso pelo caminho. Talvez porque a lógica da performance tenha engolido a paciência necessária para a construção. Talvez porque nos acostumamos a contratar talentos esperando que eles já cheguem prontos — e, se não chegarem, que o próximo da fila resolva.
Mas se o ambiente de trabalho quer ser um lugar de aprendizado, precisa aceitar o papel de ensinar. Se queremos equipes que inovem, colaborem e cresçam, precisamos investir na base: na formação contínua, na escuta ativa, no acolhimento estruturado. Precisamos ajudar esses jovens a se aculturarem — e não apenas jogá-los no campo e torcer para que marquem gols.
Eles trazem energia, criatividade, senso de urgência, olhar fresco. Mas precisam de direção, contexto e exemplos. A pergunta que fica é: sua liderança está disposta a formar — ou apenas a cobrar?