Imagine entrar em uma empresa ainda jovem, trabalhar nela por 25 ou 30 anos, se aposentar e curtir a maturidade com tranquilidade. Pouca gente vive essa realidade, e no futuro esse sonho das gerações dos nossos pais e avós ficará ainda mais distante. As pessoas que estão ingressando no mercado de trabalho poderão ter até cinco carreiras durante a vida profissional.
A afirmação é o do conselheiro de carreira para estudantes da Pós-graduação da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), Augusto Dutra Galery.
O especialista aponta dois fatores que explicam a tendência de as novas gerações terem mais de uma carreira no futuro próximo: a própria expectativa de vida da população, que está aumentando; e as reformas das previdências, que caminham para mais dificuldade em obter ou manter uma aposentadoria com valores que proporcionem uma boa qualidade de vida.
O lado bom nesse cenário, na opinião de Galery, é que o trabalho também tem mudado e as empresas estão cada vez mais dispostas a promover atividades mais realizadoras. “Acabou a ideia de que o trabalho é um fardo, algo que temos de aguentar e que seja horrível, que nos faça querer parar de trabalhar. Se tivermos mais carreiras com propósitos, as pessoas vão querer continuar trabalhando e sendo produtivas, o que também faz bem para a saúde mental”, diz.
O SER HUMANO É MÚLTIPLO
Em um ciclo profissional normal, uma pessoa começa uma carreira e chega no topo em 15 ou 20 anos. Estando lá, após algum tempo no ápice, certamente o profissional será atraído por outros desafios e interesses.
“O ser humano é múltiplo, não é um só. Essa multiplicidade faz com que a gente tenha diferentes aspirações. O que mais posso fazer para realizar essas aspirações? Antes não dava tempo para isso, o trabalhador ficava 25 anos em uma empresa e se aposentava. Agora, quem está no mercado de trabalho vai passar por muitas empresas, o que dá oportunidade para aproveitar essa multiplicidade e experimentar”, explica.
PROPÓSITO E CONFLITO DE GERAÇÕES
Atualmente as novas gerações têm muito firme a ideia de trabalhar não apenas pelo salário e pela subsistência, mas também por um propósito. E existe um conflito de gerações causado pelo fato de as pessoas que planejam empresas hoje serem de uma geração anterior.
“Os gestores e empresários acham que a pessoa tem que entrar na empresa e amar a organização, acham que só a empresa é importante. Quantas vezes não ouvimos as pessoas dizendo que os ‘jovens de hoje não querem trabalhar, que não são resilientes’? Na verdade, eles não querem mais é serem explorados, sem benefício em troca, só por um salário”.
Para Galery, esse conflito vai fazer com que as empresas que querem pessoas muito motivadas mudem sua lógica e organização empresarial. É preciso pensar que uma empresa faz parte de um sistema social em que os dois lados entram com partes. Os líderes da geração anterior ainda tratam quem tem muitos interesses como alguém que não tem foco.
“Acho que o maior conflito dessa nova geração não é achar seu propósito. O conflito maior é que eles querem trabalhar com propósito, enquanto ouvem a geração anterior dizer que não é bem assim, que ninguém trabalha por prazer. Muitos jovens de hoje ainda são influenciados por famílias ou lideranças, que dizem que eles devem entrar em uma empresa, trabalhar 25 anos nela e se contentar com isso, o que não bate com seus ideais”.
As empresas têm pela frente um grande desafio, que é apresentar seus valores reais aos jovens. O “encaixe perfeito” entre empregador e empregado estará na motivação.
“Essa motivação vai ser encontrada entre a missão da empresa e os valores do trabalhador. Não estamos falando que todos vão trabalhar por propósito e ninguém vai mais ganhar dinheiro. Agora é ‘vou trabalhar em uma empresa que tem valores, me reconhece e me remunera por isso’. Estamos falando de um jogo, uma relação entre motivação (intrínseca, os valores e aspirações) e o ambiente (extrínseca, as obrigações, contas a pagar e a subsistência)”, opina.
Para quem procura aliar o “propósito” com o “trabalho”, é importante aceitar a complexidade e a multiplicidade de cada ser.
“Não aceite ir para uma empresa só pelo nome ou porte. Procure uma empresa que tenha a ver com você. A busca do trabalho passa pelo autoconhecimento. Quais são seus valores reais? Se eu amo animais, trabalhar em uma empresa que também ame animais é importante. Temos uma série de pressões externas (seja o melhor no que faz, ame o que faz, tenha sucesso financeiro), que nos fazem pensar que tudo isso seja o objetivo, e acabamos esquecendo a motivação”.
FAÇA ECONOMIA ANTES DE RECOMEÇAR
Para quem está ensaiando mudar de carreira, é preciso ter em mente que por mais que a nova área seja diferente, o profissional nunca joga fora 100% da experiência anterior.
O especialista dá seu próprio exemplo: começou a fazer o curso de Engenharia e passou para Psicologia. “Por mais que tenha partes técnicas em cada uma das carreiras, existe uma série de outras qualidades (raciocínio logico, comunicação, espírito empreendedor, por exemplo) que acabam contando no outro trabalho. Você não recomeça do zero. O X da questão de conhecer a si e ao ambiente é saber quais competências você tem, além da preparação técnica, que podem ser aproveitadas”.
Contudo, ele alerta para se preparar também financeiramente. Quando decidir para qual área nova seguir, não saia do emprego atual para se preparar para a mudança.
“Há um período de ajustes e conhecimento. Adquira e desenvolva conhecimentos para depois mudar. Quando se muda de carreira, sempre se dá um passo atrás, tanto em salário quanto em nível hierárquico de cargo. Se atualmente você é Sênior, será difícil entrar como Sênior na nova carreira. Mas no desenvolver da nova carreira, por conta da experiência anterior, talvez demore menos para voltar a ser Sênior. Faça um pé de meia e se planeje para a transição”.
ERRE, ARRISQUE, TENTE
Por fim, Galery diz que não é errado ter vários interesses. “Aproveite as oportunidades. Fazer escolhas que precisem durar para sempre é muito angustiante. Escolha o agora. Se cansou do trabalho depois de 10 anos, você pode recomeçar. Ninguém está preso a uma carreira para o resto da vida”, finaliza.