Diante da maior taxa de desligamentos voluntários já registrada, líderes precisam repensar seu papel e construir relações de confiança, propósito e desenvolvimento com suas equipes.
Por Rosa Alba Bernhoeft – CEO da Alba Consultoria
Recentemente, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) revelaram uma realidade transformadora no mercado de trabalho brasileiro: em janeiro de 2025, 37,9% dos 2,13 milhões de desligamentos foram pedidos voluntários — o maior percentual mensal já registrado. Mais alarmante ainda, 45% dessas solicitações partiram de profissionais com ensino superior, justamente aqueles que representam um investimento significativo em termos de capacitação e desenvolvimento. Em 2024, o Brasil registrou um recorde anual de quase 8,5 milhões de trabalhadores optando por deixar seus empregos voluntariamente.
Esses números são mais que estatísticas — são sinais de uma profunda transformação na relação entre profissionais e organizações, especialmente quando observamos a geração Z no mercado de trabalho. O que presenciamos não é apenas uma rotatividade de pessoal, mas uma verdadeira revolução silenciosa nas expectativas e valores da força de trabalho brasileira.
Estamos diante de um novo contrato entre empregador e empregado, no qual estabilidade e remuneração já não bastam para reter talentos. A pergunta que ecoa nas salas de reunião das empresas brasileiras é simples, mas desafiadora: por que as pessoas estão saindo?
Uma pesquisa recente da Fundação Instituto de Administração (FIA) revelou que 67% dos profissionais que pediram demissão nos últimos 12 meses citaram “falta de perspectivas de crescimento” como principal motivador, seguido por “relação insatisfatória com a liderança direta” (58%) e “desalinhamento com valores e propósito” (52%). Curiosamente, “remuneração inadequada” apareceu apenas em quarto lugar, com 47%.
Esses dados desconstruem a crença antiquada de que reter talentos é apenas uma questão salarial. O cenário atual é muito mais complexo — e é exatamente aqui que entra o papel transformador da liderança.
A verdade incômoda é que pessoas não deixam empresas; elas deixam líderes. Segundo o Great Place to Work, colaboradores que classificam suas lideranças como “excelentes” têm quatro vezes menos probabilidade de pedir demissão nos próximos 12 meses. O impacto financeiro também é expressivo: estudos da Society for Human Resource Management (SHRM) indicam que o custo de substituição de um profissional pode variar entre 90% e 200% do seu salário anual, considerando recrutamento, treinamento e perda de produtividade.
Em minhas conversas com executivos e colaboradores de diversas organizações brasileiras, percebo uma transformação no paradigma de liderança. O modelo hierárquico tradicional, baseado em controle e supervisão, precisa dar lugar a uma liderança relacional, fundamentada em propósito e desenvolvimento humano.
O líder contemporâneo precisa ser, antes de tudo, um arquiteto de significado e conexão. Num mundo onde o trabalho remoto e híbrido se consolidou, e onde a tecnologia oferece oportunidades globais, o que mantém um profissional comprometido com sua organização não é o medo da falta de opções, mas o sentimento genuíno de pertencimento e propósito.
Reter talentos no Brasil contemporâneo exige uma abordagem multidimensional que reconheça a complexidade das motivações humanas. Um salário competitivo e benefícios atrativos são condições necessárias, mas não suficientes. O verdadeiro diferencial das organizações com baixas taxas de rotatividade voluntária está na qualidade da experiência humana que proporcionam — uma experiência profundamente moldada pela liderança.
Hoje, não basta apenas oferecer oportunidades de carreira. Cada vez mais, pesa a consciência de que é preciso ter vida além do trabalho. Esse lema, especialmente forte entre profissionais da geração Z, torna ainda mais relevante o papel do líder.
Líderes eficazes na retenção de talentos compartilham características fundamentais: demonstram interesse genuíno pelo desenvolvimento de suas equipes, constroem ambientes psicologicamente seguros, reconhecem contribuições de maneira significativa e estabelecem conexões autênticas com cada membro do time.
Programas de desenvolvimento de lideranças, focados em habilidades relacionais e em conversas significativas de carreira, tendem a reduzir naturalmente a rotatividade. Em mentorias que conduzi recentemente, o verbo “cuidar” surgiu espontaneamente — uma necessidade clara de criar ambientes mais saudáveis e voltados ao desenvolvimento mútuo.
Uma prática eficaz é a realização de reuniões voltadas não apenas para tarefas, mas para aspirações e desafios pessoais; o oferecimento de feedbacks estruturados que reconheçam comportamentos alinhados aos valores organizacionais; e a criação de planos de desenvolvimento verdadeiramente personalizados.
Em tempos de demissões voluntárias recordes, a liderança brasileira precisa reconhecer uma verdade fundamental: reter talentos não é uma responsabilidade exclusiva do RH, mas uma missão estratégica de cada líder, em todos os níveis da organização.
O paradoxo da liderança contemporânea é que, quanto mais nos afastamos do controle e nos aproximamos da confiança, maior se torna nossa influência. Quando um líder demonstra interesse genuíno no crescimento de seus liderados — não apenas profissionalmente, mas como seres humanos integrais — cria um vínculo que transcende ofertas externas.
As organizações brasileiras estão diante de uma encruzilhada: podem tratar o fenômeno das demissões voluntárias como um simples problema de mercado ou reconhecer nele um chamado para reinventar a forma como líderes e liderados se relacionam.
A escolha que fizermos determinará não apenas as taxas de retenção, mas a própria capacidade competitiva das empresas em um mundo onde o capital humano é, cada vez mais, o verdadeiro diferencial estratégico.
O futuro pertence à liderança que inspira pessoas a se tornarem a melhor versão de si mesmas.