Tecnologia e Humanização: Como a Inteligência Artificial está redefinindo o papel do RH nas empresas.
Por Eliane Pellegrino, Diretora de Talentos & Transformação na Aramis Inc.
A máxima de que a inteligência artificial (IA) chegou para revolucionar o mercado já se tornou um fato. À medida que as inovações vão sendo disponibilizadas, mais utilidades, desafios e soluções ganham espaço nesse universo tecnológico infinito de possibilidades. Veja bem: a NASA, por exemplo, já utiliza a IA durante a decolagem e a aterrissagem de espaçonaves. A medicina oncológica, por sua vez, explora essa tecnologia para antecipar diagnósticos e biópsias. Até mesmo no campo futebolístico, a inteligência artificial está presente na escalação e na contratação de jogadores. Ferramentas nunca antes vistas, aplicadas a áreas completamente distintas e, muitas vezes, a um clique de distância: é impossível não considerá-las revolucionárias.
Junto às surpresas positivas, muitas dúvidas ainda permeiam a sociedade. Assim que as primeiras versões do ChatGPT foram lançadas pela OpenAI, em 2022, um questionamento predominou: “Vamos perder nossos empregos?”. O imaginário lúdico de robôs invadindo fábricas, roubando posições à força e instaurando uma suposta autoridade dominou as principais discussões. Uma disputa, inclusive, que existe entre as próprias IAs, sempre em constante evolução. Mais recentemente, o lançamento da DeepSeek, inteligência artificial de origem chinesa, estremeceu o cenário das big techs. Com custos mais baixos e uma eficiência surpreendente, a DeepSeek impactou diretamente o valor das ações de gigantes como Nvidia, Microsoft e Meta. Fato é que, ter acesso tão facilmente a ferramentas que produzem textos, indicam o que você pode comer e traçam roteiros de viagens — para dizer o mínimo — gerou um impacto nunca antes visto e que, sem dúvidas, ainda não conseguimos mensurar.
O escritor português José Saramago já dizia que “é preciso sair da ilha para ver a ilha” e esse, de fato, seria o movimento ideal, dada a conjuntura. Mas a verdade é que o dinamismo do cenário atual, as inúmeras inovações diárias e as constantes movimentações do mercado de trabalho nos impedem de nos afastar da ilha. Nos é dado um desafio ainda maior: compreender a ilha enquanto ainda estamos nela e, especificamente no nosso caso, a área de gestão de pessoas precisa ter isso em mente o quanto antes.
Parceria estratégica para o futuro
De acordo com uma pesquisa realizada pela plataforma Think Work, em parceria com a gestora de benefícios Flash, 70% dos RHs do Brasil ainda não utilizam inteligência artificial em seus processos diários. Um dado que vai na contramão de uma tendência apontada pela Deloitte, por exemplo, que afirma que a digitalização pode reduzir em até 50% os custos operacionais dessa área. Entendendo o RH como uma área que apoia transversalmente o negócio, seja ele de qual ramo for, é impossível se distanciar da tecnologia que mais tem impactado o mercado nos últimos anos. O olhar precisa estar na ilha.
Existem, sem dúvidas, mil e um questionamentos sobre o uso da inteligência artificial, mas a chave para sua utilização está em aplicá-la de forma prática, sem perder a condução humanizada dos processos. Seja ao compreender, por exemplo, que os colaboradores preferem, em sua maioria, utilizar o WhatsApp como meio de comunicação e desenvolver um bot para o canal que forneça informações práticas sobre a companhia — como datas de pagamento, emissão de holerite e instruções de onboarding — ou até em iniciativas mais densas, como o desenvolvimento de um programa de estágio com um olhar estratégico para o uso de dados, que tenha como objetivo capacitar novos profissionais para que desenvolvam uma compreensão analítica sobre o tema.
As possibilidades, assim como as novidades, vão se multiplicando em uma frequência difícil de acompanhar. Quando olhamos para o segmento de People Analytics, as inovações tecnológicas abrem um universo ainda mais amplo. Dentro de uma empresa Fashion Tech, como é o caso da Aramis Inc., o tema se tornou fundamental desde o dia zero. A partir do data lake da companhia, conectamos pontes que avaliam desde o desempenho dos colaboradores até o índice de turnover. É possível analisar critérios específicos com o cuidado necessário, identificando rotas de ajuste e pontos de reforço, capacitando os colaboradores de modo cada vez mais assertivo.
Abordagem humanizada
Faz parte também das responsabilidades da área de gestão de pessoas ter uma visão criteriosa para o futuro da companhia. Dentro desse cenário, como marca empregadora, onde queremos estar daqui a dois, cinco, dez anos? Quando os dados apontam a relevância da inteligência artificial, como não considerar essa skill dentro do processo de recrutamento e seleção? Ainda que os candidatos não possuam habilidades técnicas específicas, como não buscar pessoas genuinamente curiosas, dispostas a cruzar dados e informações que irão impactar diretamente os resultados da companhia? E, assim, uma vez contratadas, como não capacitá-las com ferramentas teóricas para que a prática seja cada vez mais desenvolvida?
Estes são, portanto, questionamentos que caminham lado a lado com a jornada de um profissional da área nos dias de hoje. São ferramentas que chegam para apoiar uma trajetória com mais transparência, agilidade, eficiência, concretude nas iniciativas adotadas e, sem dúvidas, tomadas de decisão mais assertivas. Quem não está olhando para o uso da inteligência artificial e dos dados dentro dos seus setores já está, inevitavelmente, atrasado.
Ainda que nem tudo sejam flores nesse caminho, é preciso destacar: os dados, sem o fator humano, não significam nada. É fundamental, mesmo em meio à turbulência dessa rotina de adaptação e inovação, não perder a conexão com as pessoas, o olhar para o próximo e o tato do profissional de RH. A inteligência artificial chega como um potencializador, não como um excludente da humanização dos processos. É para que, além das funções operacionais, possamos dedicar um olhar ainda mais atento ao outro, entendendo seus anseios e necessidades dentro da jornada como colaborador.
À medida que esse futuro se torna realidade mais rápido do que imaginamos, fica claro que essas novas tecnologias são aliadas poderosas, especialmente no caminho do autoconhecimento. Mais do que aprimorar hard skills, elas têm o potencial de fortalecer soft skills, impulsionar a criatividade, estreitar relacionamentos e elevar a governança a um novo patamar. Que possamos utilizá-las com inteligência e propósito, criando sistemas mais ágeis, humanos e inovadores, preparados para os desafios do amanhã.