Ao contrário de uma demissão, o layoff nem sempre se trata de um desligamento definitivo
Recentemente, o Brasil adotou uma tendência que teve início nos Estados Unidos no final de 2022: os layoffs. Multinacionais e startups brasileiras dos setores de tecnologia e financeiro anunciaram demissões em números grandiosos nos últimos meses.
Ao contrário de uma demissão, o layoff nem sempre se trata de um desligamento definitivo, alguns casos são paralisações ou suspensão temporária do contratado ou trabalhador. Já o corte de pessoal dispensa diversos colaboradores de uma só vez, ainda que por diversos motivos diferentes.
Esses movimentos são resultados das contratações feitas na chegada da pandemia de coronavírus, quando as empresas viram a necessidade e oportunidade de investirem em tecnologia após o começo do período de isolamento social. E é certo que, para as instituições, funcionários são substituíveis, mas quando eles se tornam “descartáveis”?
De um lado, algumas companhias buscam explicar seu ponto de vista, como é o caso da startup Me Poupe!, da comunicadora Nathalia Arcuri, que depois de desligar alto volume do seu quadro de funcionários declarou: “Não somos uma ONG. Somos uma empresa que tem de gerar resultados”.
Do outro lado, há o sentimento das pessoas que foram pegas de surpresa. No LinkedIn, um ex-colaborador da empresa fez um longo desabafo onde descreveu como se sentiu ao ser informado sobre sua demissão: “Tive os meus piores 30 minutos da vida, com muita angústia e ansiedade, até que fui chamado com mais 15 pessoas, comunicando que todos estavam sendo desligados. O sentimento que fica é sim de decepção, pela forma como a situação aconteceu…”.
Em análise, o psicólogo Victor Hugo Tex deu algumas respostas sobre o sensível tema.
Qual é o impacto que as demissões em massa causam nos funcionários que permanecem nas empresas?
Para quem fica nas empresas, é importante pontuar que nem sempre as demissões em massa significam que vão ser episódios que irão se repetir. Mas a ansiedade que fica, o medo e a aflição de que isso possa voltar a acontecer, por exemplo, em um outro setor ou em um time maior, acaba fazendo com que as pessoas desenvolvam ansiedade, um certo receio em se dedicar ao trabalho. Porém, é importante que as pessoas tenham estratégias resolutivas e resilientes, ou seja, ao perceber que há uma movimentação de layoffs em qualquer nível da empresa, as pessoas já podem buscar novas colocações em outras empresas.
O medo de fazer parte dos layoffs pode aumentar os casos de burnout e crises de ansiedade?
Sim. Não só pelo medo, mas também pela sobrecarga de trabalho, porque a produção não vai diminuir ou parar. Digamos que você tinha três pessoas que faziam aquela função e um foi demitido, essas outras duas terão que assumir as demandas da pessoa que foi demitida. Portanto, a chance de um burnout, ou seja, um esgotamento emocional e físico é grande, porque ela vai ter que assumir um trabalho e uma necessidade que não está sendo preparada especificamente para a realização de uma ou duas pessoas, e sim de três. E as crises de ansiedade podem acontecer pelo fato de que existem épocas do ano em que a demanda de cada empresa aumenta, geralmente, próximo a feriados e vésperas de datas comemorativas.
Quais são os riscos emocionais e psicológicos que as pessoas que foram demitidas correm?
“Um dos principais riscos está relacionado à ansiedade em relação ao seu futuro. De fato isso acaba causando isolamento social, fazendo com que as pessoas deixem de sair para lugares que costumava frequentar com amigos, ou deixem de cuidar do filho para buscar emprego ou tentar se recolocar. Também priva essa pessoa de contextos sociais que ela já estava acostumada a viver pela falta de renda. Outro risco social está relacionado à ansiedade da recolocação. Por isso, é sempre importante verificar antes de entrar na empresa se ela tem políticas de outplacement. O que é essa política? É uma política de recolocação, onde essas pessoas que são demitidas, elas podem ser indicadas e sugeridas em outras empresas parceiras ou que atuam no mesmo segmento. Claro que em casos de layoffs em massa, as políticas de outplacement não abordam todos os casos, mas ajudam bastante nessa recolocação.”
O layoff é mais traumático do que uma demissão individual?
Demissão pode ou não ser traumática. Se o layoff é mais traumático do que uma demissão individual é difícil dizer, pois vai depender de como cada demissão é feita. O que é traumático é a falta de humanidade nas demissões, nos desligamentos, independente se é em massa ou individual. É claro que o layoff ele pode, em um primeiro momento, ser um pouco pior para quem fica na empresa, visto que isso causa uma ansiedade nas pessoas que continuaram trabalhando pelo medo de que aquilo ocorra novamente. Mas um layoff acaba sendo um pouco ‘melhor’ de lidar do que uma demissão individual, porque na individual você foi o culpado diretamente, e no layoff esse peso não é tão associado à pessoa e há a possibilidade de reintegração futura. Geralmente, casos de layoff são relacionados a problemas financeiros da empresa ou mudanças abruptas no mercado. Então, na minha opinião, podem até se tornar menos traumáticas do que uma demissão individual.
Como lidar com a frustração de ser “descartado” pelas empresas e como isso pode afetar o desempenho dessas pessoas em um próximo emprego?
Em geral, a pessoa se sentirá de fato frustrada e vai pensar que foi descartada se isso já fizer parte da cultura da empresa. Digamos que haja uma demissão em massa em uma empresa onde as pessoas eram muito felizes trabalhando ali, trabalhando de uma maneira prazerosa, estável… Isso não vai ser entendido como descarte ou como uma frustração em si. Em geral, as pessoas vão entender que ali foi uma questão de mercado, desde que bem conduzido esse layoff. O grande problema é quando a cultura da empresa já é opressora e já trata os envolvidos como pessoas que não têm voz, não podem manifestar interesse, que não têm acesso a muitos recursos e direitos, e simplesmente estão ali para trabalhar visando uma tarefa ou uma atividade específica. Nesses casos, o sentimento de descarte é grande e principalmente em funções que exigem trabalhos físicos, onde você foi ali, arriscou sua vida, ou colocou muito peso, ficou com dores nas costas ou nos braços por algo que precisasse fazer com que a máquina girasse e, simplesmente, de um dia para o outro você foi demitido.
Victor Hugo Tex também ressalta alguns pontos que, a partir de seu conhecimento de campo, são importantes.
“É sempre importante a gente ter a ideia de que a demissão não é o fim do caminho. A demissão pode ser, muitas vezes, um bom recomeço para você desenvolver novos talentos, buscar novas opções de trabalhos que ainda não estava acostumado, se jogar no empreendedorismo, iniciar novos projetos pessoais e/ou profissionais. Então, é importante ter esse pensamento sempre em mente quando falarmos de demissão. Inclusive, de que essa mesma pessoa, se ela tiver feito um bom trabalho e tiver tido um bom desempenho, ela pode ser recolocada e recontratada. Isso não é impeditivo. Então, eu acho que esse é o principal ponto: você trabalhar bem e dar o seu melhor, pois o trabalho vai, mas as boas (ou más) referências ficam!”.