A estratégia de marketing sempre será fundamental, essencialmente quando políticas internas se opõem ao que se pretende divulgar a públicos externos
Seria leviano tecer comentários sobre a tentativa de suicídio de um estagiário do meio jurídico, ocorrida em meados de agosto, sem conhecer as reais condições profissionais e/ou pessoais que culminaram no episódio. Fato é que, independente do que se aventa, a partir do caso, multiplicaram-se os relatos de abusos como assédio moral e sexual, jornadas extenuantes – que invadiriam madrugadas e finais de semana –, imposição de metas desmedidas e afins cometidos por escritórios de advocacia.
Foi o que se observou, por exemplo, em um perfil no Instagram dedicado a este tipo de relato que, em poucas semanas, saltou de algumas dezenas para quase 60 mil seguidores. Mesmo que esse tipo de canal careça de filtros que separem ficção e impressões pessoais de fatos, os números denotam, seja na maneira como profissionais administram suas carreiras, seja na relação que sociedades mantêm com seus advogados, que há algo de muito preocupante no meio jurídico. De quem é a culpa? Em diferentes medidas, de todos.
De forma alguma, a situação não se restringe ao Direito. Estudo realizado neste ano pela Faculdade de Medicina da USP aponta que 20% dos brasileiros que atuam em ambientes corporativos sofrem da síndrome de esgotamento profissional, chamada Burnout. Embora não pareça existir publicamente números específicos quanto ao meio jurídico, o segmento merece atenção especial.
A rotina para os profissionais do Direito é, por natureza, extenuante: prazos cada vez mais exíguos para toda a análise e estruturação jurídica em operações e para o estudo de grande quantidade de documentos, depoimentos, evidências, que têm de ser analisados e convertidos em teses que, além de redigidas em infindáveis textos, serão defendidas em audiências marcadas à revelia de agenda etc. Um uso tão intenso do intelecto bastaria para impor a adoção de cuidados que buscassem evitar esgotamento, estafa, estresse e depressão – também epidêmica, segundo a OMS.
Mesmo assim, ainda são poucos os escritórios de advocacia que dispõem de departamentos de RH estruturados o suficiente para, além de proporcionar as capacitações necessárias para que profissionais dessas organizações exerçam suas funções com desenvoltura satisfatória – que se multiplicam com as transformações do mercado –, cuidar de seu bem-estar, particularmente sua saúde mental, ao menos para que seu intelecto, fundamental para a operação das sociedades, esteja bem.
A essa imprudência bastante comum somam-se fatores como líderes e/ou clientes afeitos a práticas abusivas. Não são raras as sociedades onde isso acontece, mesmo entre as que divulgam a adoção de princípios ESG, por exemplo.
Aí, nada se sustenta, nem a saúde do advogado, nem o negócio. Logo, essa postura resulta em crescente dificuldade de um escritório para manter e atrair talentos, o “ouro” da advocacia. Bons profissionais acabam encontrando opções e, ao identificá-las, afastam-se de organizações com esse perfil. Isso sempre aconteceu, mas, a partir das mídias sociais, o alcance dos relatos sobre contrastes entre a realidade interna de organizações e o que escritórios divulgam a outros públicos cresceu exponencialmente.
No médio prazo – se tanto –, a consequência será a perda de qualidade nas entregas, algo que logo ficará evidente para o mercado, o que inclui aqueles que demandaram ou poderiam demandar os serviços desses escritórios. Mesmo que o foco de um escritório seja prioritariamente a geração de negócios – em detrimento de quaisquer outros valores –, a estratégia é inócua ou desastrosa.
Entre os que comunicam falsa ou precária adoção de políticas voltadas ao bem-estar de suas pessoas, como parte de princípios ESG, a difusão incontrolável da realidade interna poderá resultar em danos talvez não gerenciáveis à credibilidade da organização – valor fundamental particularmente no Direito.
A estratégia de marketing sempre será fundamental, essencialmente quando políticas internas se opõem ao que se pretende divulgar a públicos externos. Se a intenção é transmitir a imagem de uma instituição que respeita valores humanos, como ela pode se sustentar se o público interno dissemina outro tipo de impressão? Se diagnósticos responsáveis forem preteridos em favor de promessas ilusórias, o negócio sofrerá fortes impactos. Seus reflexos provavelmente não ficarão restritos à reputação. Quem é advogado em escritório hoje pode se tornar um cliente, autoridade ou integrante do governo amanhã. Há mobilidade profissional e, para os exemplos que abordamos aqui, as consequências são imprevisíveis.
Cada vez mais, diferentes tipos de escritórios, dos tradicionais às lawtechs, de portes distintos, valem-se do marketing jurídico para divulgarem suas marcas, diferenciais, princípios e especializações. Não há, porém, como gerir o que não é real. Como profissionais do marketing, temos também a responsabilidade de elucidar o tema e apoiar os escritórios sobre isso.
Andréia Gomes é sócia-fundadora da AGomes Marketing Consultoria, cofundadora da Latin America Legal Marketing Alliance e Especialista em Gestão Estratégica de Marketing e Desenvolvimento de Negócios para o Setor Jurídico.